Carta de Jung a Eugene M. E. Rolfe
(Londres, Inglaterra)
03 de março de 1949.
"Dear Mr. Rolfe,
Lamento ter ficado tanto tempo com o
seu manuscrito (1), mas eu queria vê-lo examinado completamente, e nisto fui
ajudado por um amigo meu.
A primeira parte do seu livro é uma
tentativa bem interessante de aplicar ao indivíduo a ideia da totalidade à luz
de sua própria experiência, mas na segunda parte o senhor sucumbiu sempre mais
à ideia de uma solução coletiva.
Em sua carta diz que teve um sonho
enquanto escrevia a primeira parte do livro; o sonho era que teria um filho. E,
enquanto redigia as partes finais, sonhou que tivera um bebê, pequeno mas
parecido com o senhor, e que ao final teve medo de ter sido um aborto. Temo que
o estes sonhos se apliquem a seu livro, visto que a segunda parte e o final são
tentativas prematuras de transferir suas experiências individuais para uma
aplicação coletiva, o que é impossível. O senhor não pode ensinar certo tipo de
moral ou de fé; mas precisa ser este tipo. Se o for, então pode dizer o que
quiser, e isto funciona. Mas o senhor ainda não está livre das dificuldades. O senhor,
por exemplo, esquece totalmente o fato de que o homem possui uma anima que faz misérias com ele – alguém se
casa com ela, e a sombra o invade. Sob essas condições é quase impossível alguém
dar-se conta de sua própria anima,
porque a realidade dela está sempre sob o seu nariz, e sempre lhe é demonstrado
que ela é sua mulher.
Quando se fala a alemães, existe
grande tentação em nossos dias de procurar uma espécie de ensino coletivo ou
ideal coletivo, mas a gente só encontra palavras que não funcionam. Tratando-se,
porém, de uma personalidade realmente integrada, em outras palavras, de alguém que
sabe tudo sobre a própria sombra e tudo sobre a própria anima (o que é pior), então pode ter a esperança de ser a verdade,
isto é, de ser verdadeiramente ele mesmo, e isto é algo que funciona. Eu poderia
repetir as palavras de um antigo papiro cristão: “Por isso procure conhecer
primeiro a si mesmo, pois você é a cidade, e a cidade é o reino” (2).
Espero que não leve a mal o tom quase
rude de minha carta. A minha intenção é boa, pois sei que, se publicar o livro
como está agora, não terá sucesso algum, ou terá efeito pernicioso. Eu o
aconselho a manter o manuscrito inédito até que se resolvam devidamente as questões
mais importantes da sombra e da anima”.
Sincerely
yours, C. G. Jung.
(1) O manuscrito trazia o título
"The idea of humanity". Os primeiros capítulos tratavam da "realidade
subjetiva da divindade" e dos estágios da vida. Jung gostou dos primeiros
capítulos, mas criticou os demais que tratavam da concepção cristã da família.
(2) Papiro Oxyrinco, II.
Livro de Eugene Rolfe, disponível (em
inglês), porém, esse apresentado aqui, trata-se de outra obra do autor:
https://issuu.com/lewislafontaine1/docs/eugene_rolfe_-_encounter_with_jung
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