Los Angeles (Calif. EUA), 26 de janeiro de 1955.
Prezado Doutor,
Enquanto médico, considero a perturbação psíquica
(neurose ou psicose) uma doença individual; e assim deve ser tratada a pessoa. No
grupo o indivíduo só é atingido na medida em que é membro do mesmo (1). Em princípio
isto é um grande alívio, pois no grupo a pessoa é preservada e está afastada de
certa forma. No grupo o sentimento de segurança é maior e o sentimento de
responsabilidade é menor. Certa vez entrei com uma companhia de soldados numa terrível
geleira coberta de névoa espessa. A situação foi tão perigosa que todos tiveram
que ficar no lugar onde estavam. Não houve pânico, mas um espírito de festa
popular! Se alguém estivesse sozinho ou apenais em dois, a dificuldade da situação
não teria sido levada na brincadeira. Os corajosos e experientes tiveram oportunidade
de brilhar. Os medrosos puderam valer-se da intrepidez dos mais afoitos e
ninguém pensou alto na possibilidade de um bivaque improvisado na geleira, que não
poderia ter transcorrido sem congelamentos, sem falar do perigo de morte de um possível
desmoronamento. Isto é típico da mentalidade de massas.
Quando em grupo, jovens se deixam levar
para direções que por si sós nunca trilhariam. Na guerra desapareceram da noite
para o dia neuroses compulsivas em soldados. As vivências grupais das seitas
como as do Movimento de Oxford são bem conhecidas; assim também as curas em
Lourdes seriam impensáveis sem o público admirador. Os grupos ocasionam não só
curas estupendas, mas também “transformações” psíquicas e conversões igualmente
espantosas, exatamente porque a sugestionabilidade está presente em alto grau. Disso
já estavam cientes há muito tempo os líderes dos países totalitários; por isso
promoviam passeatas de massas, barulho, etc. Hitler foi o maior fenômeno de transformação
grupal na Alemanha desde a Reforma e custou à Europa milhões de mortos.
Sugestionabilidade elevada significa não-liberdade
individual, porque o indivíduo está à mercê das influências ambientais, sejam
elas boas ou más. A capacidade de discernir está enfraquecida, bem como a responsabilidade
individual que no Movimento de Oxford, por exemplo, é deixada para o “Senhor
Jesus”. Todos se admiraram posteriormente da psicologia do exército alemão –
nenhum motivo para admiração! Cada um dos soldados e oficiais era apenas uma
partícula da massa sob sugestão e sem responsabilidade moral.
Mesmo um grupo pequeno é regido por um espírito
sugestivo de grupo que, sendo bom, pode ter efeitos sociais benéficos, às custas
no entanto da independência mental e moral do indivíduo. O grupo enaltece o eu,
isto é, a pessoa torna-se mais corajosa, mais pretensiosa, mais segura, mais
atrevida e imprudente, mas o si-mesmo é minimizado e relegado ao plano de fundo
em benefício da média geral. Por isso todos os fracos e inseguros querem pertencer
a sociedades e organizações, se possível a países com 80 milhões de habitantes.
Aí sim o indivíduo é grande porque é idêntico a todos os outros, mas perde seu
si-mesmo (isto é, a alma é cobiçada e tomada pelo demônio!) e sem livre-arbítrio
individual. Mas o grupo só imprensa o eu contra a parede quanto este não mais
concorda com o grupo em suas opiniões. Por isso a tendência do indivíduo no grupo
é concorda o máximo possível com a opinião geral ou, então, impor sua opinião ao
grupo. A influência niveladora do grupo sobre o indivíduo é compensado pelo
fato de que um deles se identifica com o espírito do grupo e se torna líder. Por
isso haverá no grupo sempre conflitos de prestígio e poder que se baseiam no egoísmo
exacerbado da pessoa grupal. O egocentrismo social multiplica-se de certa forma
com o maior número de membros do grupo.
Não tenho objeções práticas contra a
terapia de grupo, nem contra a Christian Science, o Movimento de Oxford e nem
contra outra seita que atua terapeuticamente. Eu mesmo fundei há quase 40 anos
um grupo (2), constituído de pessoas “analisadas”, com a finalidade de
constelar a atitude social do indivíduo. Este grupo existe ainda hoje. A atitude
social não entra em função no relacionamento dialético entre paciente e médico,
e pode, por isso, ficar num estado de desadaptação, como aconteceu com a
maioria de meus pacientes. Este obstáculo só se manifestou na formação do grupo
e precisou de um mútuo polimento.
Na minha opinião, a terapia de grupo só é
capaz de educar a pessoa social. Experiências desse tipo, sobretudo com pessoas
“não analisadas” estão sendo feitas na Inglaterra (com base em pontos de vista psicológicos
trazidos por mim). O senhor P. W. Martin (3) pode dar-lhe maiores informações. Considero
muito valiosas estas experiências. Contudo, em vista de minhas observações críticas
acima, sobre terapia de grupo, não acredito que ela possa substituir a análise
individual, isto é, o processo dialético entre dois indivíduos e a discussão intrapsíquica
subsequente, o diálogo com o inconsciente. Uma vez que o indivíduo é o único
portador da vida e a única essência de qualquer tipo de comunidade, segue-se
que ele e sua qualidade são da maior importância. O indivíduo deve ser completo
e ter substância, caso contrário nada subsistirá, por uma quantidade de zeros,
por maior que seja, nunca passará de zero. Um grupo de gente inferior nuna é
mais do que apenas um dele, isto é, igualmente inferior; e um país constituído de
ovelhas nunca será mais do que um rebanho de ovelhas, mesmo quando conduzido
por um pastor, acompanhado de cão que morde.
Em nosso tempo, que dá tanta importância à
socialização do indivíduo, porque é necessária uma capacidade especial de adaptação,
a formação de grupos psicologicamente orientados é de grande importância. Mas na
notórias tendência das pessoas de se agarrarem aos outros e a -ismos, em vez de
encontrar segurança e autonomia em si mesmas – o que seria a principal
necessidade – está o perigo de o indivíduo fazer do grupo pai e mãe,
permanecendo tão dependente, inseguro e infantil como antes. Ele pode estar
socialmente adaptado, mas o que é ele como individualidade que unicamente dá
sentido aos contexto social? Se a socialidade consistisse exclusivamente de
indivíduos de alto valor, a adaptação valeria a pena, mas na verdade ela se compõe
de uma maioria de imbecis e moralmente fracos, e o nível dela está abaixo
daquele de seus melhores representantes, acrescendo ainda que a massa em si já
sufoca os valores individuais. Quando se reúnem num grupo de 100 pessoas inteligentes,
então surge um grande hidrocéfalo, porque cada indivíduo será tolhido pelo ser
diferente do outro. Antigamente estava em voga a seguinte adivinhação: Quais são
as três grandes organizações com a moral mais baixa? Resposta: Standard Oil, a
Igreja católica e o exército alemão. Seria de se esperar o máximo de moralidade
de uma organização cristã, mas a necessidade de harmonizar as mais diversas
correntes exige compromissos de caráter duvidoso (casuística jesuíta e deturpação
da verdade no interesse da Igreja!). Os piores exemplos em nosso tempo são o nacional-socialismo
e o comunismo, onde a mentira se tornou a razão do Estado.
Virtudes manifestas são coisa rara e, na
maioria das vezes, são realizações individuais. Preguiça mental e moral,
covardia, preconceito e inconsciência têm a preponderância. Eu tenho 50 anos de
trabalho pioneiro atrás de mim e, por isso, sei dizer alguma coisa a este
respeito. Existe, é verdade, progresso científico e técnico, mas não se percebeu
nenhuma melhora na sensatez ou na moralidade das pessoas.
Os indivíduos são passíveis de melhoria
porque procuram tratamento. Mas as sociedades se deixam apenas enganar e
seduzir, transitoriamente até para o bem. Mas trata-se apenas de efeitos
passageiros e moralmente enfraquecedores da sugestão. (Por esta razão
psicoterapeutas médicos, com raras exceções, abandonaram há bastante tempo a terapia
por sugestão consciente). Não se pode atingir facilmente o bem; sempre é assim:
quanto melhor tanto mais caro.
Também os efeitos sociais devem ser pagos,
em geral com atraso, mas então com juros e juros compostos (por exemplo a era
Mussolini na Itália e seu fim catastrófico).
Em vista dessas considerações posso
concluir o seguinte:
1.A terapia de grupo é necessária para a educação
da pessoa social.
2.Mas ela não substitui a análise
individual.
3.As duas formas de psicoterapia se
complementam.
4.O risco da terapia de grupo é ficar
parado no nível coletivo.
5.O perigo da análise individual é menosprezar
a adaptação social.
Com elevada consideração, C. G. Jung
(1)Dr. Hans A. Illing estava preparando,
juntamente com seu colega Dr. G. R. Bach, um ensaio sobre terapia de grupo e
perguntou a opinião de Jung sobre este método.
(2)Isto se refere ao Clube de Psicologia
de Zurique, fundado em 1916.
(3)Cf. carta a Martin, de 20 de agosto de
1937, nota 1.
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