Ao Dr. Med. Aloys Von Orelli
Hohenegg
Meilen (Zurique)
07 de fevereiro de 1950
Prezado colega,
Li o seu trabalho com muito interesse e acho que está correto.
Sinto apenas alguma dúvida quando o senhor substitui o termo “afetividade” por sentimento. Afetividade é emocionalidade, e eu gostaria de fazer uma distinção rigorosa quanto ao sentimento; este, quando diferenciado, é uma função racional (de valor), enquanto os afetos permanecem sempre produtos espontâneos da natureza. O sentimento é contaminado pela emoção apenas em seu estado subdesenvolvido e primitivo, o que é característico de um sentimento indiferenciado.
O “Morbus Schlemihl” é uma invenção admirável! (2)
Na página 9, a formulação de que a individuação também ocorre sem casamento, por via da introspecção e da meditação, parece-me um tanto positiva demais. Para evitar mal-entendidos seria preciso acrescentar logo que uma relação responsável, qualquer que seja sua denominação, é imprescindível; caso contrário permanece subdesenvolvido este aspecto particular do indivíduo.
Página 10: É duvidoso se a união de animus e anima pode ser chamada de unio mystica. A única certeza é que o hierosgasmos representa uma ideia mitológica paralela. A unio mystica é mais uma dissolução do eu no âmago primitivo de Deus, o que é uma experiência bem diferente.
Quanto à sua pergunta sobre a primazia do intelecto ou do sentimento, gostaria de chamar sua atenção para o meu pequeno escrito A mulher na Europa (Vol. X/3, § 236-275). Ali apresento o meu ponto de vista de que a psicologia feminina se caracteriza em geral pelo princípio do Eros e a do homem pelo princípio do logos. Expus bem detalhadamente este ponto.
Ficarei satisfeito em recebê-lo para uma conversa, mas não pode ser já, porque saio de férias na próxima semana. Depois disso poderia recebê-lo no dia 21 de fevereiro por volta das 8 horas da noite, se assim lhe convier.
Até lá, saudações do colega. C. G. Jung.
(1) Dr. Med. Aloys Von Orelli, nascido em 1909, psiquiatra e psicoterapeuta, médico-chefe da clínica neuropsiquiátrica “Hohenegg”, Meilen (Suíça). Desde 1959, consultório particular na Basileia.
Na história de Adelbert Von Chamisso “Peter Schlemihls wundersame Geschichte” (1814), o herói vende a sua sombra, e o nome de “Schlemihl” tornou-se proverbial na Alemanha para uma pessoa que é vítima constante de incidentes imprevisíveis e que resultam em toda espécie de infortúnios.
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