To Dr. Emanuel Maier
(1)
The University of Miami
Florida/EUA
24 de março de 1950
Dear Mr. Maier,
Devo pedir-lhe
desculpas pelo atraso em responder sua carta de 16 de janeiro. Estou sempre
muito ocupado e sofro com a avassaladora correspondência da qual não dou conta.
Conheço a obra de Hesse
e também o conheço pessoalmente. Conheci o psiquiatra que tratou dele. Morreu
há muitos anos. Através desse psiquiatra, Hesse recebeu algumas influências de
meu trabalho (que aparecem, por exemplo, em Demian, Sidarta e O lobo das
estepes). Foi mais ou menos nessa época (1916) que conheci Hesse pessoalmente.
O psiquiatra era o Dr. J. B. Lang (2). Era um homem esquisito, mas extremamente
culto, que havia estudado línguas orientais (hebraico, árabe e sírio) e estava
particularmente interessado na especulação gnóstica. Obteve de mim um rico
conhecimento do gnosticismo, que ele transmitiu também a Hesse. A partir desse
material, Hesse escreveu o seu Demian. A origem de Sidarta e O lobo das estepes
é mais desconhecida. Até certo ponto, estas obras são resultado direto ou
indireto de algumas conversas que tive com Hesse. Infelizmente não posso
afirmar até que ponto ele assimilou conscientemente minhas indicações e
referências. Não posso dar-lhe uma informação completa, pois meu conhecimento é
estritamente profissional.
Não analisei
sistematicamente nenhuma das obras de Hesse. Seria, acredito eu, um estudo
psicológico interessante, especialmente do ponto de vista de minhas concepções
teóricas. É possível para alguém suficientemente familiarizado com meu trabalho
fazer as devidas aplicações. Infelizmente o meu tempo não me permite entrar em
detalhes, porque isto importaria numa nova dissertação, o que exigiria um
volume extra de trabalho que não estou em condições de assumir.
Estaria muito
interessado em conhecer os resultados de suas pesquisas.
Yours sincerely, C. G. Jung.
(1) Emanuel Maier, professor de
literatura alemã na Universidade de Miami, escreveu na época um artigo sobre
“The psychology of C. G. Jung in the works of Hermann Hesse”. Nunca
foi publicado e encontra-se, manuscrito, no arquivo Hesse no Schiller
Nationalmuseum, Marbach (Württ). A carta de Jung foi publicada em Benjamin
Nelson, “Hesse and Jung. Two newly recovered letters”, The Psychology Review,
Vol. 50, 1963, p. 11-16.
(2) Dr.
Med. Josef B. Lang, discípulo de Jung que mais tarde rompeu com o mestre,
psicoterapeuta em Luzerna, depois em Lugano. Cf. J. B. Lang, “Zur Bestimmung
des psychoanalytischen Widerstands” e “Eine Hypothese zur psychologischen
Bedeutung der Verfolgundidee”, ambos no primeiro volume, editado por Jung, de
Psychologischen Abhanlunde, Leipzig-Viena 1914. Em 1916, Hesse estava na
clínica de recuperação “Sonnmatt” em Luzerna e começou uma análise com o Dr.
Lang, na época com 35 anos de idade, e que se tornou amigo leal dele. No livro
Demian, Lang é homenageado na figura de Pistório. Cf. Hugo Ball, Hermann Hesse, sein Leben und sein
Werk, Berlin 1927, p. 153s. O professor Maier enviou esta carta
de Jung a Hesse, cuja resposta (sem data) foi publicada no ensaio mencionado de
B. Nelson:
Prezado
senhor Maier,
Como
sou amigo da discrição, não abri a carta de Jung. Em 1916 submeti-me a uma
análise com um médico amigo meu, que foi em parte discípulo de Jung. Naquela
época tomei conhecimento da obra da juventude de Jung: “Wandlungen und
Symbole”, que me impressionou. Também li outras obras posteriores de Jung, mas
apenas até 1922, pois a análise já não me interessou muito no futuro. Sempre
tive muito respeito por Jung, mas não tive impressões tão fortes de seus
escritos quanto dos de Freud. Certamente ele lhe escreveu sobre algumas sessões
analíticas que tive com ele, pelo ano de 1921, por ocasião de uma noite de
preleções que dei como convidado do Clube de Zurique de Jung. Também tive lá
boa impressão dele, só que comecei a perceber que para o analista é inatingível
uma autêntica relação com a arte; falta a todos eles o órgão para tanto.
Saudações
cordiais de H. Hesse.
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