Ao Dr. Raymond F. Piper
Syracuse (N. Y.)/EUA
21 de março de 1950
Dear Dr. Piper,
Estou enviando as duas
fotografias (1) que me pediu e também a figura de uma terceira mandala que
ainda não foi publicada. Nada tenho a opor que faça uso delas.
As condições sob as
quais se forma uma figura de mandala no decorrer de um tratamento são muito
complexas. Descrevi este processo num livro que está para ser publicado em
alemão: Gestaltungen des Unbewussten (Rascher
& Cie., Zurique) (2). O livro traz também uma quantidade de reproduções de
mandalas, não publicadas até agora (3). Seria longo dar-lhe uma descrição
completa do pano de fundo psicológico das duas figuras que se encontram no
livro O segredo da flor de ouro.
Tudo o que posso dizer
é que o n.1 foi pintado por uma jovem senhora, nascida nas Índias Orientais,
onde passou os seus primeiros seis anos. A dificuldade dela estava numa
completa desorganização, provocada por sua vinda da Ásia para a Europa, para um
meio completamente diferente, no qual não conseguiu adaptar-se pelo fato de
estar impregnada da atmosfera oriental. Entrou num estado altamente neurótico e
não conseguia encontrar-se de forma nenhuma. O inconsciente provocou sonhos
caóticos e ela ficou cheia de confusão. Aconselhei-a a tentar expressar-se
neste estado através de desenhos. Fez vários deles, que desenvolveu a partir de
poucas linhas, sem saber para onde levariam. Essas mandalas ajudaram-na a
restabelecer a ordem em sua vida interior.
A outra figura é de um
homem bastante culto, com aproximadamente 40 anos de idade. Também ele fez o
desenho como uma tentativa, a princípio inconsciente, de restaurar a ordem no
estado emocional quem que se encontrava, provocado pela invasão de conteúdos
inconscientes (5).
A terceira mandala foi
desenhada por uma paciente minha, com dotes artísticos, uma senhora de
aproximadamente 50 anos de idade. Representa um labirinto, isto é, baseia-se
num desenho de labirinto com quatro entradas, uma no centro de cada lada, e uma
saída no centro, perto da quaternidade central. Representa todas as formas de
vida, um verdadeiro oceano de vida orgânica pelo qual o ser humano deve
procurar seu caminho para o objetivo central. É o que esta mulher quer dizer. É
uma clara representação do processo de individuação. Entre a riqueza de figuras
há dois pontos em destaque: um é uma lua e o outro, uma roda. A lua representa
a essência da natureza da mulher, e da roda representa o curso da vida, ou o
ciclo do nascimento e morte (segundo a epístola de Tiago 3:6) (6). As quatro
entradas são alegorizadas por representantes dos quatro elementos. É um dos
exemplos mais notáveis dessas representações que jamais encontrei. O desenho
foi feito de maneira totalmente espontânea.
Presumo que haja na
América um bom número dessas mandalas orientais nas coletâneas sobre o Oriente.
Parece-me que San Francisco é um lugar onde poderá encontrá-las nas casas que
vendem coisas orientais. Também o Musée Guimet, de Paris, tem várias peças de
extraordinária beleza.
Yous sincerely, C. G. Jung.
(1) Dr.
Piper, professor de Filosofia na Universidade de Syracuse, Nova Iorque, havia
pedido autorização para incluir em seu livro Cosmic Art as figures 1 e 6 que se encontram no livro O segredo da flor de ouro (OC, Vol. 13).
(2) Trata-se
do ensaio “Estudo empírico do processo de individuação” (em OC, Vol. 9/1).
(3) Cf. “O simbolismo das mandalas” (em OC, Vol.
9/1).
(4) A
jovem senhora provinha de uma família europeia. Jung refere-se a este caso em
OC, Vol. 9/1, § 656-659 e Vol. 16, § 557).
(5) “Sobre
o simbolismo da mandala”, fig. 28, texto no § 682. O quadro foi pintado por
Jung na época em que se aprofundava na questão do inconsciente. Cf. Memórias,
p. 173s.
(6) A
bíblia católica diz “o ciclo de nossa existência”, enquanto a bíblia de Lutero
diz “toda a nossa transformação”.
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