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Dr. Oskar Splett


Ao Dr. Oskar Splett

Munique

23 de maio de 1950.

Prezado Doutor,

Confesso que sua pergunta (1) é bem difícil de ser respondida e peço que considere minhas observações neste sentido como mais ou menos hipotéticas.
Eu também estou em dúvida se o termo “precocidade” é o correto. Acompanhando o senhor, preferiria dizer que se trata de uma espécie de “despertar” ou “increased awareness”. Observa-se este fenômeno em todos os países que foram atingidos mais ou menos diretamente pela guerra e sobretudo naqueles em que as ações bélicas e revolucionárias foram mais intensas. Contudo, o grau mais elevado verificou-se com relação às crianças abandonadas da Rússia, as chamadas “Besprisornji”. Trata-se aqui não de verdadeira maturação, mas de um despertar precoce e de uma intensificação unilateral das tendências instintivas. Se quisermos entender por maturação uma expansão da consciência ou um aperfeiçoamento da personalidade, isto seria completamente errado. Na grande maioria dos casos não se trata de maior ou menor conscientização; mas, em compensação, de ouvidos em pé, olhos bem abertos e avidez exacerbada – tudo coisas que podemos observar também nos primitivos em circunstâncias semelhantes. Só em casos excepcionais trata-se de uma maturação real e acelerada, mas na maioria dos casos é mais um desenvolvimento regressivo na direção do primitivo. Considero este desenvolvimento consequência direta das subversões políticas e sociais, e parece-me que numa atmosfera mais calma esses fenômenos são menos frequentes. Penso, por exemplo, na Suíça e na América, onde a população foi poupada dos efeitos da guerra.
Como não fiz nenhuma pesquisa aprofundada neste assunto, minha opinião baseia-se em impressões gerais.
Com elevada consideração, C. G. Jung.

(1) Dr. Splett havia perguntado a Jung sobre a impressionante precocidade intelectual da juventude de hoje, observada desde o Japão até a Europa Central.

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