Ao Dr. Ernesto A. C. Volkening
Bogotá, Colômbia
19 de agosto de 1950.
Prezado colega,
Muito obrigado por seus
votos de felicidade e por sua separata. Infelizmente não tenho grande
familiaridade com a língua espanhola, mas pedirei a alguém para ler o seu
trabalho e fazer um relato para mim.
Seu debate com a orientação
freudiana merece espaço bem amplo, pois a simplificação que faz a psique
coincidir com um instinto tão importante quanto o sexual tem algo de enganoso e
sedutor. Esta simplificação é perigosa, sobretudo nos dias de hoje, que se
caracterizam por uma tendência iconoclasta, porque resolve numa forma aceitável
ao preconceito geral um assunto extremamente complicado e difícil como é a psique.
Não se percebe então que a psique não pode estar baseada necessariamente apenas
no instinto da sexualidade, mas na totalidade dos instintos, e que esta base é
apenas um fundamento biológico e não representa o edifício todo. Uma redução da
psique total a seus inícios mais obscuros não só a desvaloriza, mas desloca
também o problema para uma simplicidade inadmissível, como se quiséssemos
reduzir a pessoa a uma célula que, por mais complicada que seja, como por
exemplo na forma de ameba, tem uma construção bem mais simples do que a da
pessoa humana. E assim, em sua compulsão de simplificar, Freud pôde explicar as
neuroses, até certo ponto, pelo princípio da repressão, mas esqueceu
completamente a psicologia do repressor, que é bem mais forte e importante do
que o instinto – e isto também faz parte da natureza da psique, conforme o
exprimiu muito bem já o velho alquimista Demócrito: “Natura naturam superat”
(1). Entendo perfeitamente que alguém formado em medicina ou em ciências
naturais ache minha psicologia bastante difícil ou mesmo incompreensível porque
ela não reduz a psique a processos simples, mas deixa-a em toda a sua
complexidade – não descrevendo o edifício apenas como fundamento nem derivando
tudo deste, mas fazendo-o objeto da descrição e explicação científicas em toda
a sua incomensurável multiplicidade.
Outra dificuldade está
no fato de o psíquico e todos os fenômenos de vida em geral não serem
entendidos suficientemente se forem compreendidos apenas de forma redutiva e
causal, pois não é possível derivar o sintético e o formador da vida de meras
causas.
Por isso valorizo tanto
mais seu esforço, por ter encontrado um caminho através dessas dificuldades
para uma compreensão real de minhas experiências psicológicas.
Tomo a liberdade de
enviar-lhe uma publicação recente em que encontrará uma análise, talvez a mais
profunda, de um produto do romantismo.
Com elevada estima do
colega, C. G. Jung.
(1) Provém do alquimista Pseudo-Demócrito (por
volta do século I ou II) a frase que aparece com variações nos textos
alquimistas: “A natureza se alegra com a natureza, a natureza vence a natureza,
ou a natureza domina a natureza” – Confira Mysterium Coniunctionis II, par. 6,
nota 21.
(2) A. Jaffé, “Bilder und Symbole aus E. T.
A. Hoffmanns Mächer ‘Der Goldne Topf”, em Gestaltungen des Unbewyssten, 1950.
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