Avançar para o conteúdo principal

Hanna Oeri

 


À Hanna Oeri (1)

 

Basileia, 23 de dezembro de 1950.

 

Prezada Doutora,

O grande cansaço que vi e senti em meu amigo por ocasião de minha última visita a Basileia o levou rapidamente ao fim. Não se deve lamentar os falecidos – eles levam grande vantagem sobre nós – mas deve-se lamentar antes os que ficaram, que precisam contemplar a fugacidade da existência e suportar a despedida, a dor e a solidão.

Sei o que significa para a senhora a morte de Albert, pois com ele partiu também o meu último amigo que ainda estava vivo. Nós somos uma sobra do tempo que passou e isto cada vez mais, a cada novo ano. O olhar se desvia do futuro do mundo dos homens no qual viverão os nossos filhos, mas não nós. Invejável é o destino daqueles que ultrapassaram o limiar, mas a minha empatia está com aqueles que precisam continuar seguindo o rio de seus dias, cumprindo a tarefa da existência na escuridão do mundo, num horizonte acanhado e na cegueira da ignorância, para ver toda sua existência, outrora plena de imensa vitalidade e força, ruir pedaço por pedaço e precipitar-se no abismo do passado. Este modo de considerar a velhice seria insuportável se não soubéssemos que nossa alma vai chegar a uma região onde não será aprisionada pela mudança no tempo nem pela limitação do lugar. Nesta forma de ser, nosso nascimento é morte e nossa morte é nascimento. Os pratos da balança do todo estão em equilíbrio.

Com os meus sentidos pêsames, C. G. Jung.

 

A destinatária era a esposa do amigo de Jung, Dr. Albert Oeri.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Aniela Jaffé (Zurique)

Carta à Aniela Jaffé (Zurique) “Bollingen,  12 de abril de 1949. Prezada Aniela, (...) Sua carta chegou num período de reflexões difíceis. Infelizmente nada lhe posso falar a respeito. Seria demais. Também eu ainda não cheguei ao final do caminho do sofrimento. Trata-se de compreensões difíceis e penosas (1). Após longo vagar no escuro, surgiram luzes mais claras, mas não sei o que significam. Seja como for, sei por que e para que preciso da solidão de Bollingen. É mais necessária do que nunca. (...)            Eu a parabenizo pela conclusão de “Séraphita” (2). Ainda que não tivesse aproveitado em nada a Balzac desviar-se do si-mesmo, gostaríamos de poder fazê-lo também. Sei que haveríamos que pagar mais caro por isso. Gostaríamos de ter um Javé Sabaoth como kurioz twn daimonwn (3). Compreendo sempre mais porque quase morri e vejo-me forçado a desejar que assim tivesse sido. O cálice é amargo. Saudações cordiai...

To Dr. Edward A. Bennet

  To Dr. Edward A. Bennet, (1) Londres, 21 de novembro de 1953.   My dear Bennet, Muito obrigado pelo gentil envio do livro de Jones sobre Freud. O incidente à página 348 é correto, mas as circunstâncias em que ocorreu estão desvirtuadas (2). Trata-se de uma discussão sobre Amenófis IV: o fato de ele ter raspado dos monumentos o nome de seu pai e colocado o seu próprio; segundo modelo consagrado, isto se explica como um complexo negativo de pai e, devido a ele, tudo o que Amenófis criou – sua arte, religião e poesia – nada mais foi do que resistência contra o pai. Não havia notícias de que outros faraós tivessem feito o mesmo. Mas esta maneira desfavorável de julgar Amenófis IV me irritou e eu me expressei de maneira bastante vigorosa. Esta foi a causa imediata do desmaio de Freud. Ninguém nunca me perguntou como as coisas realmente aconteceram; em vez disso faz-se apenas uma apresentação unilateral e deformada de minha relação com ele. Percebo, com grande interesse, q...

To Dr. Michael Fordham (1)

Londres, 18 de junho de 1954.   Dear Fordham, Sua carta traz más notícias; senti muito que não tenha conseguido o posto no Instituto de Psiquiatria (2), ainda que seja um pequeno consolo para o senhor que tenham escolhido ao menos um de seus discípulos, o Dr. Hobson (3). Depois de tudo, o senhor se aproxima da idade em que a gente deve familiarizar-se com a dolorosa experiência de ser superado. O tempo passa e inexoravelmente somos deixados para trás, às vezes mais e às vezes menos; e temos de reconhecer que há coisas além de nosso alcance que não deveríamos lamentar, pois esta lamentação é um remanescente de uma ambição por demais jovem. Nossa libido continuará certamente querendo agarrar as estrelas, se o destino não tornasse claro, além de qualquer dúvida razoável, que devemos procurar a perfeição dentro e não fora... infelizmente! Sabemos que há muito a melhorar no interior da pessoa, de modo que devemos agradecer à adversidade quando ela nos ajuda a reunir a energia ...