Zurique, 26 de março de
1951.
Prezado Pastor!
Nesses dias, ao fazer
ordem em minhas coisas, encontrei o seu gentil presente de fevereiro de 1949
(1). Estou em dúvida se já lhe manifestei minha gratidão ou não. Tenho uma
secretária que deve prevenir-me das consequências de minha distração e
esquecimento, mas também ela às vezes se afoga na enxurrada de papéis que me
invade sem parar. Seja como for, reitero o meu agradecimento e peço-lhe tolerância
e o perdão dos pecados.
Ao final de sua
exposição, o senhor pergunta pelo mérito de Cristo, que o senhor já não entende
como acontecimento mágico, mas o substitui, por assim dizer, pela integração de
projeções. Isto é racionalmente correto,
mas, ao que me parece, não é uma resposta bem adequada. O “mérito” psicológico (melhor:
significado) de Cristo consiste em ser ele, como “primogênito”, o protótipo do teleioz, do ser humano integral. Conforme testemunho
da história, esta imagem é numinosa e,
por isso, só pode ser respondida por outra numinosidade. Ela atinge a imago Dei, o arquétipo do si-mesmo em nós, e assim desperta este
último. Torna-se “constelado” e, devido à sua numinosidade, força a pessoa à
totalidade, isto é, à integração do inconsciente ou à subordinação do eu à “vontade”
integral que, com razão, é entendida como “vontade de Deus”. No sentido
psicológico, a teleiwsiz significa
uma “integralidade” e não uma “perfeição” da pessoa. A totalidade não pode ser
consciente, pois abrange também o inconsciente. Ela é, ao menos em sua metade,
um estado transcendental, portanto é
mística e numinosa. A individuação é uma meta transcendental, uma encarnação do
anqrwpoz. Disso só podemos
entender racionalmente o esforço de integralidade religiosa da consciência,
isto é, o “religiose observare” (2) dos impulsos holísticos do inconsciente,
mas não o ser do todo, respectivamente do si-mesmo, que é prefigurado pelo einai en Cristw (3).
Aproveito a
oportunidade para perguntar-lhe se, por ocasião do meu 75º aniversário (1950),
o senhor me enviou uma carta com algumas perguntas. Extraviou-se aqui uma carta
desse gênero. Já fiz a mesma pergunta a três teólogos, mas com resposta
negativa. Submersus epistoles libellisque
(4).
Atenciosamente, C. G.
Jung
(1) Trata-se
de um de seus sermões que o Pastor Niederer enviou a Jung por ocasião de seu
aniversário. Jung o chama também de “exposição” na carta.
(2) Observar
com cuidado.
(3) Ser
em Cristo.
(4) Afogado
em cartas e livros.
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