Los Angeles, 20 de
março de 1951.
Prezado amigo,
Agradeço a sua resposta
detalhada. Ela me deu uma visão clara em muitos aspectos (2).
“Demonia” é
literalmente uma palavra inofensiva, mas não psicologicamente. Será que
chamaríamos de “demoníaco” alguém que cultiva aplicada e cuidadosamente o seu
campo? Isto cheira suspeitamente a Idade Média, onde eu teria terminado numa
masmorra ou numa fogueira. Por isso, a teologia e a Igreja não me são muito
confiáveis, pois agem sempre “por ordem superior”, contra a qual não há
apelação.
O que você considera
uma oposição complexada contra o protestantismo é, de minha parte, uma crítica
forte contra ele, pois está onde eu queria que não estivesse. Agora, depois que
a Igreja Católica deu o passo de graves consequências da Assunção, o
protestantismo está verdadeiramente preso à linha patriarcal do Antigo Testamento
e na retaguarda, no que se refere ao desenvolvimento dogmático. O católico ao
menos acredita numa revelação progressiva, mas o protestante está preso a um
documento – aliás tão contraditório – como a Bíblia e, por isso, não pode
construir, mas só demolir: vide a famosa “desmitologização” do cristianismo.
Como se as afirmações sobre a história da salvação não fossem mitologemas. Deus
sempre fala mitologicamente. Se assim não fosse, revelaria razão e ciência.
Eu combato o atraso do
protestantismo. Não quero que ele perca a liderança. Não quero voltar à
nebulosidade da inconsciência do concretismo católico, por isso combato também
o concretismo protestante da historicidade e o vazio da pregação protestante
que hoje em dia só pode ser entendida como um resíduo histórico. Se Cristo
significa algo para mim, então só como símbolo. Como figura histórica poderia
chamar-se também Pitágoras, Lao-Tse, Zaratustra, etc. Eu não acho o Jesus
histórico edificante, apenas interessante, porque controvertido.
Digo isto para que
saiba a minha posição. Mas, se apesar disso, quiser conversar comigo, ficarei
contente. Se você tiver algum tempo, estou ao seu dispor.
Agradeço mais uma vez
sua atenciosa e amável carta, Carl.
(1) Prof.
Dr. Theol. Keller (1872-1963), docente da Universidade de Zurique, viveu mais
tarde em Genebra e depois em Los Angeles. Era do círculo de amigos mais antigos
de Jung. Obra, entre outras, Vom unbekannten Gott, 1933.
(2) O
parágrafo seguinte refere-se a uma correspondência anterior, que não possuímos,
em que o Prof. Keller parece ter atribuído à natureza de Jung uma espécie de
“demonia”.
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