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Ao Dr. Med. St. Wieser

Horgen em Zurique, 06 de julho de 1951.

 

Prezado colega,

Agradeço muito a gentil informação sobre sua interessante experiência. Trata-se de um caso que chamaríamos de clarividência. Mas como é uma palavra que nada significa de mais relevante, também nada explica. Pode-se entender alguma coisa a mais desses acontecimentos se os observarmos dentro do grande contexto de fatos iguais e semelhantes. Lançando-se um olhar superficial sobre a soma dessas experiências, chega-se à conclusão de que existe algo como um “conhecimento absoluto” (1), não acessível à consciência, mas provavelmente ao inconsciente, ainda que apenas sob certas condições. De acordo com a minha experiência, essas condições dependem sempre de alguma emoção. Toda emoção mais profunda tem uma influência rebaixadora sobre a consciência, o que Pierre Janet chama de “abaissement du niveau mental” (2). Mas o rebaixamento da consciência significa por outro lado uma aproximação do inconsciente e, como este parece ter um acesso ao “conhecimento absoluto”, pode surgir dessa maneira uma informação que já não pode ser explicada racional e causalmente. A falha eventual da lei causal, aparentemente absoluta, está no fato de tambpem esta lei só ter validade estatística, donde se conclui que deve haver exceções.

Caso o senhor se interesse pela teoria dessas conexões acausais de acontecimentos, gostaria de mencionar que em breve publicarei pela editora Rascer um pequeno escrito com o título “A sincronicidade como princípio de conexões acausais”.

Com elevada consideração e agradecimentos do colega, C. G. Jung.

 

(1) Não se trata de um conhecimento consciente, ligado ao eu, mas de um “conhecimento inconsciente, subsistente em si mesmo”. Em outras palavras: da “presença no microcosmos de acontecimentos macrocósmicos” (confira: OC, Vol. VIII, § 921 e 913). Sobre o fato de um “conhecimento absoluto no inconsciente” baseia-se a probabilidade de um conhecimento não transmitido por nenhum órgão dos sentidos, característico dos fenômenos sincronísticos como, por exemplo, a pré-cognição e retrocognição (confira: OC, Vol. VIII, § 938).

(2) Confira: Carta a Künkel, de 10 de julho de 1946, nota 10.

 

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