Avançar para o conteúdo principal

Ao Dr. Med. S.

Alemanha, 08 de agosto de 1951.

 

Prezado colega,

Receba meus cordiais agradecimentos pela gentil lembrança de meu aniversário.

Vejo com pesar em sua carta que o senhor sobre de zunidos nos ouvidos. Sintomas desse tipo são muitas vezes usados pelo inconsciente para “expressar” conteúdos psíquicos, isto é, os sintomas são intensificados por um afluxo psicógeno e só então adquirem o verdadeiro caráter de tortura. Sua atenção é forçada para dentro, onde fica presa aos zunidos perturbadores. É claro que ela deve voltar-se para dentro, mas não ficar presa aos zunidos; deveria penetrar naqueles conteúdos que aturam magneticamente sobre ela. A palavrinha “deveria” significa sempre que não sabemos o caminho para o objetivo almejado. Muitas vezes, porém, é útil saber ao menos que sobre o sintoma orgânico ainda há uma camada psíquica que poderíamos fazer sobressair. Sei apenas por experiência que é muito grande a exigência do inconsciente pela introversão – em seu caso, pode ouvir para dentro. Então é grande também o perigo de sucumbir ao ter de ouvir para dentro, em vez de poder ouvir para dentro. Minha própria otosclerose também me presentou com todo tipo de zunidos, de modo que tenho alguma experiência no assunto. O senhor tem razão em lembrar-se da tempestade que interrompeu a nossa conversa. Devemos ser capazes de ouvir, de maneira irracional, também a voz da natureza como, por exemplo, a do trovão, mesmo que isto nos leve a interromper o processo contínuo da consciência.

Com os melhores votos de C. G. Jung.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Aniela Jaffé (Zurique)

Carta à Aniela Jaffé (Zurique) “Bollingen,  12 de abril de 1949. Prezada Aniela, (...) Sua carta chegou num período de reflexões difíceis. Infelizmente nada lhe posso falar a respeito. Seria demais. Também eu ainda não cheguei ao final do caminho do sofrimento. Trata-se de compreensões difíceis e penosas (1). Após longo vagar no escuro, surgiram luzes mais claras, mas não sei o que significam. Seja como for, sei por que e para que preciso da solidão de Bollingen. É mais necessária do que nunca. (...)            Eu a parabenizo pela conclusão de “Séraphita” (2). Ainda que não tivesse aproveitado em nada a Balzac desviar-se do si-mesmo, gostaríamos de poder fazê-lo também. Sei que haveríamos que pagar mais caro por isso. Gostaríamos de ter um Javé Sabaoth como kurioz twn daimonwn (3). Compreendo sempre mais porque quase morri e vejo-me forçado a desejar que assim tivesse sido. O cálice é amargo. Saudações cordiai...

Ao Dr. Hans A. Illing

Los Angeles (Calif. EUA), 26 de janeiro de 1955.   Prezado Doutor, Enquanto médico, considero a perturbação psíquica (neurose ou psicose) uma doença individual; e assim deve ser tratada a pessoa. No grupo o indivíduo só é atingido na medida em que é membro do mesmo (1). Em princípio isto é um grande alívio, pois no grupo a pessoa é preservada e está afastada de certa forma. No grupo o sentimento de segurança é maior e o sentimento de responsabilidade é menor. Certa vez entrei com uma companhia de soldados numa terrível geleira coberta de névoa espessa. A situação foi tão perigosa que todos tiveram que ficar no lugar onde estavam. Não houve pânico, mas um espírito de festa popular! Se alguém estivesse sozinho ou apenais em dois, a dificuldade da situação não teria sido levada na brincadeira. Os corajosos e experientes tiveram oportunidade de brilhar. Os medrosos puderam valer-se da intrepidez dos mais afoitos e ninguém pensou alto na possibilidade de um bivaque improvisado na ...

A uma destinatária não identificada

Bollingen, 31 de julho de 1954.   Dear N., Durante o tumulto do congresso (1) não tive tempo de examinar seus dois sonhos. Eles possuem alguns aspectos confusos. O primeiro sonho tenta demonstrar-lhe que o símbolo de uma união sexual perfeita significa a imagem ctônica da unidade no si-mesmo. Esta tentativa se choca logo com sua divisão entre o em cima e o embaixo, e a senhora começa a pergunta-se se não deveria ter-se mantido do lado ctônico. É evidente que deve fazer isto, sem contudo, perder de vista o aspecto espiritual. Sexualidade e espírito – ambos são um e o mesmo no si-mesmo, ainda que o seu ego seja dominado por seu lado ctônico sempre um pouco fraco demais. Neste caso a senhora corre o perigo de perder-se completamente nele, apoiada num animus idiota que só pode captar um ou outros por vez. Enquanto estiver no si-mesmo, ambos os aspectos estão vivos porque são um e o mesmo, ainda que nossa consciência do eu os distinga. Finalmente, o ego deve ceder e restringir-...