Zurique, 29 de janeiro de 1952.
Prezado senhor,
Muito obrigado por sua
remessa.
Não acredito que o
senhor esteja vendo a situação tão preta assim. Está certo ao dizer que o mundo
de hoje prefere as inovações em massa e que por isso esquecer o vínculo com o
passado, característico de toda cultura. Não se deve recriminar os jovens por causa
disso, pois é perfeitamente compreensível que eles tenham os olhos abertos para
o novo e o impressionante das assim chamadas conquistas culturais. Mas é
preciso considerar também que o verdadeiro tesouro da cultura, nomeadamente a
herança do passado, é apresentado muitas vezes de modo tão enfadonho e
desinteressante que já é um milagre quando alguém se interessa por ele. Para
quem a tradição cultural é apenas conhecimento e simples instrução também não
poderá apresentar o assim dito passado como presente vivo. Enquanto médico, eu
mesmo experimentei como devíamos afastar como traste velho todas as exposições
anteriores da história das religiões, da mitologia e da história em favor das
coisas novas e vivas, e como mais tarde encontrar de novo o acesso ao perdido
quando se reflete sobre o sentido vivo dessas coisas. Para entender os fatos
presentes tive de voltar ao passado mais remoto e desencavar de novo
precisamente aquelas coisas que eu achava estarem definitivamente enterradas no
monte de lixo. Parece-me perfeitamente possível ensinar a história em seu
sentido mais amplo, não como um saber morto, coberto de pó e árido, mas
entendê-la a partir do presente bem vivo. Todas estas coisas deveriam ser
apresentadas como provindas de nossa experiência atual, e não como relíquias
mortas de tempos definitivamente passadas. Isto constitui certamente uma tarefa
difícil e de responsabilidade para o professor, mas é exatamente para isso que
ele é professor.
É sempre útil uma
formação mais ampla, além da especializada. Nunca lamentei conhecer coisas além
da minha especialidade. Muito pelo contrário! As inovações nunca provêm do
conhecimento superssofisticado e especializado, mas de um conhecimento de
assuntos colaterais que nos fornecem novos pontos de vista. Um horizonte mais
amplo beneficia a cada um e é mais natural ao espírito humano do que um saber
especializado, que leva a um desfiladeiro mental.
Com elevada
consideração,
C. G. Jung
JUNG, C. G. Cartas:
1946-1955. Vol. 2. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 211-212.
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