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Para Donald Rajapakse

Mont Lavinia, Ceilão

 

22 de janeiro de 1952.

 

Dear Mr. Rajapakse,

Como vê, apresso-me em socorrê-lo (1) e espero que não tenha entrado demais na esparrela e se tornado particularmente odioso a seu vice-chanceler. O senhor saber que uma das qualidades infelizes dos introvertidos é não deixar de colocar o pé errado na frente. Contudo, devo dizer que é uma atitude bastante ousada arriscar uma disputa com o vice-chanceler de sua Universidade. É evidente que este senhor não está bem informado da situação. Provavelmente nunca leu meu livro Tipos psicológicos, caso contrário não teria cometido o erro de supor que este livro se baseia numa “premissa”. Sou psiquiatra e tenho uma experiência de mais de 50 anos com grande número de pacientes e pessoas em geral; e devo constatar – justamente com outros pioneiros no campo da psicologia – que há uma diferença bem característica entre a atitude e o ponto de vista das pessoas. O fórum de ciências aceitou praticamente em todo mundo não só os fatos que descrevi mas também minha terminologia. Parece-me, pois, bastante improvável que o vice-chanceler de sua Universidade desconheça esses fatos.

Naturalmente, a aplicação prática que o senhor faz se baseia num método que só interessa ao psicólogo, isto é, àquele que conhece e aprecia o valor prático da classificação psicológica. Não se pode esperar isto de qualquer um. Se o seu vice-chanceler pertence a outra disciplina, então o senhor precisa proceder com cuidado, pois em geral as pessoas são muito sensíveis quando se trata do reconhecimento da verdade psicológica. As pessoas em geral não gostam da psicologia e não querem ser rotuladas com qualidades psicológicas. Assim, só poderá tentar chamar a atenção dele para certas dificuldades que as pessoas sentem por causa de suas atitudes, isto é, deverá apresentar o caso a ele como se fosse uma deficiência sua, e não dele. Diga-lhe que o senhor é um introvertido e explique-lhe o que é ser introvertido, peca-lhe compreensão e paciência. Mas não deixe transparecer que ele deveria saber como lidar com introvertidos e extrovertidos. Não se pode esperar que uma pessoa investida em autoridade conheça psicologia ou saiba aplicar uma verdade psicológica – sobretudo quando se trata de um europeu. Eles subestimam a alma humana de maneira espantosa.

É isto o que saberia dizer quanto à sua pergunta. Desejo-lhe boa sorte!

Sincerely yours,

C. G. Jung

 

(1) Mr. Rajapakse estava em controvérsia com o vice-chanceler da Universidade de Ceilão sobre a maneira de fazer entrevista com os alunos. Ele achava que os introvertidos e extrovertidos deveriam ser tratados de modo diferente.

 

JUNG, C. G. Cartas: 1946-1955. Vol. 2. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 210-211.

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