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Para o Prof. John M. Thorburn

Para o Prof. John M. Thorburn (1)

Upper Hartfield, Sussex/Inglaterra, 06 de fevereiro de 1952.

 

My dear Thorburn,

Muito obrigado pelas duas cartas que me escreveu. Infelizmente não me lembro se respondi à primeira delas à mão, durante a ausência de minha secretária. Sei que era minha intenção fazê-lo, mas não sei se a concretizei. Eu simplesmente não dou mais conta de minha correspondência. Seja como for, respondo imediatamente à sua segunda carta e quero dizer-lhe o que penso daquela biografia.

Em primeiro lugar, não gosto de biografias porque raras vezes são verdadeiras, e são interessantes apenas quando aconteceu alguma coisa na vida humana que os leitores possam entender. Enquanto as pessoas não entendem o que eu fiz com a psicologia, não há utilidade numa biografia. Minha psicologia e minha vida estão de tal forma entrelaçadas que minha biografia seria tão-só digna de leitura se tratasse também das coisas que descobri sobre o inconsciente.

Fiquei muito interessante pelo que me conta sobre o seu interesse pela astrologia. Nos últimos anos meus pensamentos estiveram pairando sobre problemas semelhantes e acredito que ainda estejam de certa forma, isto é, meu pensamento inconsciente está girando em torno do problema do tempo. Mas não consigo dizer o que estou pensando exatamente, porque só recebo lampejos de tempos em tempos do que ele pensa. Está conectado de certa forma com o tema de uma recente discussão na Society for Psychical Research, em que um Dr. G. R. Smythies (2) propôs uma nova teoria do espaço absoluto ou do espaço-tempo absoluto. Trata-se de um esquema bastante complexo de não menos do que 7 dimensões, isto é, 3 dimensões do espaço físico, 3 dimensões do espaço psíquico – este último em ângulo reto ao espaço físico – e uma dimensão-tempo comum a ambos. Não ficou claro para mim como ele pretende explicar os fenômenos astrológicos ou a Y; também não consegui entender quais seriam as questões que poderiam fomentar o trabalho experimental futuro, partindo dessa base esquemática.

Bem, se eu estivesse em seu lugar, não me preocuparia com minha biografia. Eu não pretendo escrevê-la, pois, sem considerar a falta de motivação, não saberia como fazer isso. Menos ainda poderia eu imaginar alguém desatando este nó górdio monstruoso, cheio de fatalidades, limitações, aspirações e outras coisas mais. Quem se meter nesta aventura deveria analisar-me muito além de minhas próprias possibilidades, se quiser fazer um trabalho correto.

Desejo-lhe muitas felicidades em sua viagem à América. Gostaria de poder viajar ainda, mas isto está fora de cogitação. Devo contentar-me com viagens mentais – provavelmente mais aventureiras do que aquelas pelo mundo afora, onde já não existe lugar nenhum que não tenha sido devastado pela loucura do homem. Até mesmo o Tibet está degringolando! (3).

Cordially yours,

C. G. Jung.

(1) J. M. Thorhurn, B. C., M. A., falecido em 1970, amigo de Jung, professor de filosofia no University College, Cardiff, Inglaterra, onde deu por muitos anos preleções noturnas sobre astrologia a estudantes do College.

(2)  Cf. carta a Smythies, de 29 de fevereiro de 1952, nota 1.

(3)  Em 1950, o Tibet foi ocupado por tropas da China comunista e, em 1951, incorporado à federação estatal chinesa.           

Ref. JUNG, C. G. Cartas: 1946-1955. Vol. 2. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 212-214.

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