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To Dr. James Kirsch

 

To Dr. James Kirsch

Los Angeles (California)/EUA, 18 de novembro de 1952.

 

Dear Kirsch,

Envio-lhe dessa vez uma carta em inglês, pois ainda não consigo escrever cartas à mão (1). Tive outro ataque de arritmia e taquicardia devido a excesso de trabalho. Estou aos poucos me recuperando, o pulso já bate normalmente há quase uma semana, mas ainda estou cansado e devo ir devagar.

A questão (2) que o senhor coloca é muito importante e eu acho que posso entender o seu alcance. Não seria capaz de dar-lhe uma resposta satisfatória; mas tendo estudado a questão até onde foi possível, posso chamar sua atenção para o extraordinário desenvolvimento na cabala. Estou quase certo de que a árvore-sefirot (3) contenha todo o simbolismo do desenvolvimento judeu, paralelo à ideia cristã. A diferença característica é que a encarnação de Deus é entendida na crença cristã como sendo um fato histórico, enquanto que na gnose judaica ela é um processo totalmente pleromático, simbolizado pela concentração da tríade suprema de Kether, hokhmá e biná (4) na figura de Tiferet (5). Este, sendo o equivalente do Filho e do Espírito Santo, é o sponsus que traz a grande solução mediante sua união com Malcut (6). Esta união correponde à Assumptio Beatae Virginis, mas é bem mais abrangente, pois parece incluir até mesmo o estranho mundo do kelipot (7). Z. está enganado quando pensa que a gnose judaica não contém nada do mistério cristão. Na verdade ela contém praticamente todo ele, só que em seu estado pleromático não revelado.

Existe um livrinho muito interessante, escrito em latim medieval pelo próprio Knorr von Rosenroth, ou ao menos sob sua influência direta. O título é Adumbratio Kabbalae Christianae, Idest Syncatabasis Hebraizans, Sive Brevis Applicatio Doctrinae Hebraeorum Cabbalisticae Ad Dogmata Novi Foederis, Francofurti 1684. Este pequeno livro é precioso; contém um paralelo interessante entre o mistério cristão e o cabalístico, que pode ajuda-lo como ajudou a mim, a entender este importantíssimo problema do desenvolvimento religioso dos judeus. Seria sumamente recomendável sua tradução. Estou quase certo de que a reação violenta e venenosa dos rabinos ortodoxos contra a cabala baseia-se no fato inegável desse paralelismo judeu-cristão impressionante. Isto é material quente e, pelo que eu saiba, ninguém ousou tocar nele desde o século XVII; mas nós estamos interessados na alma humana e por isso não nos deixamos cegar por preconceitos confessionais todos (,,,).

Sincerely yours, C. G. Jung

 

P.S. Eu creio no lema do autor anônimo: “Quaeritur uma salus” (8).

 

(1)Naquela época a secretária de Jung era inglesa.

(2)Dr. Kirsch havia colocado a questão de qual havia sido o papel de Cristo e do mistério cristão para a psique judaica.

(3)Os dez sefirot (manifestações ou atributos místicos de Deus) constituem a “árvore mística de Deus” que por sua vez vive da vida do Deus escondido. São representados em grupos uns sobre os outros como uma árvores.

(4)São os três sefirot supremos da árvore-sefirot. Scholem dá as seguintes traduções: kether = a “coroa máxima” da divindade; hoshmá = a “sabedoria” ou ideia pirmita de Deus; biná = a “inteligência” de Deus que se difunde.

(5)Tiferet é a “misericórdia” de Deus, chamada sefirá, que dá o equilíbrio entre o sefirot “amor” ou “graça” (kessed), por um lado, e “poder” de Deus (din), por outro lado.

(6)Malcut é, segundo Scholem, a sefirá chamada de “reino” de Deus, a imagem mística primitiva da comunidade de Israel. Também é denominada shekiná.

(7)Segundo a cabala de Isaak Luria, 1534-1572, Deus criou casos para neles guardar as luzes que fluíam no espaço primitivo. Mas eram fracos para guardar a luz divina e se quebraram. Desses cacos ou cascas, o kelipot, surgiram, ao lado do mundo da luz, os contramundos demoníacos do mal.

(8) Procura-se uma só salvação.

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