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Ao Dr. Carl Seelig

 


Ao Dr. Carl Seelig (1)

Zurique, 25 de fevereiro de 1953.

 

Prezado senhor!

Cheguei a conhecer Albert Einstein (2) através de seu discípulo, um certo Dr. Hopf (3), se não me engano. O professor Einstein foi naquela época várias vezes meu hóspede ao jantar, quando estavam presentes, uma vez, Adolf Keller (4) e outras vezes o professor Eugen Bleuler, um psiquiatra e meu chefe em tempos idos. Isto foi há muito tempo, quando Einstein estava desenvolvendo sua primeira teoria da relatividade (5). Ele tentou expor-nos, com maior ou menor êxito, os elementos fundamentos dela. Como não-matemáticos, nós psiquiatras tivemos dificuldade de acompanhar o seu argumento. Mesmo assim, entendi o suficiente para ter uma boa impressão dele. Foi sobretudo a simplicidade e retidão de seu modo genial de pensar que me impressionou profundamente e exerceu uma influência duradoura sobre o meu próprio trabalho intelectual. Foi Einstein que me deu o primeiro impulso para pensar numa possível relatividade do tempo e espaço e de seu condicionamento psicológico. Mais de 30 anos depois desenvolveu-se, a partir desse impulso, minha relação com o físico e professor W. Pauli e minha tese da sincronicidade psíquica. Com a saída de Einstein de Zurique, cessaram meus contatos com ele, e não creio que ele se lembre ainda de mim. É difícil imaginar um contraste maior do que o existente entre o matemático e a mentalidade psicológica. O primeiro é quantitativo e a segunda é também extremamente qualitativa.

Com saudações cordiais de C. G. Jung.

 

(1)Dr. Phil. Carl Seelig (1894-1962). Escritor, jornalista, crítico de teatro. Obras, entre outras: Albert Einstein und die Schweiz, Zurique, 1952. Este estudo biográfico foi ampliado para Albert Einstein. Eine dokumentarische Biographie, Zurique, 1954, e finalmente para Albert Einstein. Leben und Werk eines Genies unsere Zeit, Zurique, 1960. Em sua carta de 23/02/1953, Seelig pedia a Jung que contasse bem livremente alguma coisa sobre o seu relacionamento com o professor Einstein e suas impressões sobre ele.

(2)Até 1909, Einstein trabalha no bureau de patentes em Berna; 1909-1910, professor de física teórica na Universidade de Zurique e em 1912, professor na Eidgen, Technischen HJochschule, Zurique (1911-192, professor na Universidade Alemã de Praga).

(3)Dr. Ludzwig Hopf, físico teórico.

(4)Cf. carta a Keller, de 20/03/1951, nota 1.

(5)O trabalho fundamental de  Einstein sobre a “Teoria especial da relatividade” foi publicado em Annalen der Physik, vol. 17, 1905; em 1905, ele ampliou para “Teoria geral da relatividade”.

 

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