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To. Mr. E. Roenne-Peterson

To Mr. E. Roenne-Peterson (1)

Estocolmo, 16 de março de 1953.

 

Dear Sir,

A inseminatio artificialis poderia de fato tornar-se um problema público e legal numa sociedade em que veio a predominar um ponto de vista racionalista e materialista, e onde foram suprimidos os valores culturais como a liberdade de pensamento e relacionamentos humanos. Este perigo não está tão afastado que se possa desconsiderá-lo. Por isso é uma questão legítima quando alguém pergunta sobre as possíveis consequências de semelhante prática.

Do ponto de vista da psicopatologia, o efeito imediato seria uma gravidez “ilegítima”, isto é, sem pai, ainda que a fertilização tenha ocorrido dentro do matrimônio e sob condições legais. Seria um caso de paternidade ignorada. Uma vez que os seres humanos são cada qual um indivíduo, e não algo intercambiável, o pai não poderia ser substituído artificialmente. A criança sofreria inevitavelmente os embaraços da ilegitimidade, ou da orfandade, ou da adoção. Esta condições deixam seus traços na psique da criança.

O fato de a inseminação artificial ser um procedimento bem conhecido na geração do gado rebaixa o status moral da mãe humana ao nível da vaca, não importando o que ela pense ou o que lhe foi impingido. Como qualquer touro, que tenha as características raciais desejadas, pode ser um doador, assim qualquer homem, apreciado do ponto de vista geracional, é bom o suficiente para a procriação anônima. Tal procedimento leva a uma depreciação catastrófica da pessoa humana, e seu efeito destrutivo sobre a dignidade humana é óbvio. Não tendo experiência prática neste assunto, não sei qual é a consequência psicológica de uma concepção levada a efeito dessa maneira “científica” a sangue-frio e o que poderia sentir a mãe que tivesse que carregar o filho de alguém totalmente estranho. Posso imaginar que o efeito poderia ser igual ao de um estupro. Parece-me um sintoma sinistro da condição mental e moral de nosso mundo o simples fato de que tais problemas tenham que ser discutidos.

Sincerely yours, C. G. Jung

 

(1)Mr. E. Roenne-Peterson era assistente psicológico de um grupo de cientistas escandinavos que protestavam contra a permissão da inseminação artificial nos países nórdicos.

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