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Ao Dr. James Kirsch

 

Ao Dr. James Kirsch

Los Angeles (Califórnia) EUA, 28 de maio de 1953.

 

Prezado colega!

Finalmente consigo agradecer-lhe pessoalmente a amável carta que me enviou por ocasião da morte de Toni Wolff (1). No dia da morte dela, antes mesmo de haver recebido a notícia, tive uma séria recaída de taquicardia. Esta retrocedeu, mas deixou uma arritmia que prejudica muito minha capacidade física. Durante a época de Pentecostes arrisquei-me a vir para Bollingen, e espero recuperar-me ainda mais aqui,

Toni Wolff morreu tão repentina e inesperadamente que é quase impossível acreditar em seu desaparecimento. Eu a vi ainda dois dias antes. Ninguém suspeitava de nada. Os sonhos com o Hades, que eu havia tido já em meados de fevereiro, eu os referi exclusivamente a mim, pois nada indicava Toni Wolff. Nenhum dos que se relacionavam direta e intimamente com ela haviam tido sonhos premonitórios; e na Inglaterra, Alemanha e Zurique, só pessoas que a conheciam superficialmente.

No começo de minha doença, em outubro de 1952, sonhei com um grande elefante preto que estava arrancando uma árvore. (Desde então escrevi em um ensaio sobre a “árvore filosófica” (2). O arrancar a árvore pode significar também a morte. A partir de então sonhei mais vezes com elefantes que eu sempre tive de evitar cuidadosamente. Eles estavam aparentemente ocupados na construção de uma estrada.

Suas notícias interessaram-me muito. O professor de Antigo Testamento (3) aqui na Universidade está tratando de meu Jó num seminário. É evidente que podemos considerar “Jó” sob vários ângulos. Atualmente estou ocupado com a relação do homem com Deus, isto é, com a imagem de Deus. Se a consciência de Deus é mais clara do que a humana, então a criação não tem sentido e a pessoa humana não tem razão de ser. Então Deus realmente não joga mais dados, como diz Einstein (4), mas inventou uma máquina que é pior ainda. De fato, a história da criação parece antes uma experiência com dados do que algo intencional. Estas considerações significam uma tremenda mudança na imagem de Deus.

Sincronicidade deve ser publicado brevemente em inglês e Psicologia e alquimia saiu finalmente.

A prática clínica da psicoterapia é simples medida de emergência que impede ao máximo as vivências numinosas. Isto funciona até certo ponto. Mas haverá sempre casos que passam além disso, mesmo entre os médicos.

A “pedrinha branca” (calculus albus) aparece no Apocalipse como símbolo da eleição (5).

À base do modelo do si-mesmo, em Aion, está a visão de Ezequiel (6).

Saudações cordiais, C. G. Jung

 

(1)A senhorita Toni Wolff (1889-1953), psicóloga analítica, foi por longos anos colaboradora e amiga de Jung. Era presidente do Clube de Psicologia de Zurique desde sua fundação, em 1916, até 1952.

(2)OC, Vol. 12.

(3)Prof. Dr. Victor Maag.

(4)Dr. Kirsch havia citado a frase cunhada por Einstein: “I cannot believe that God plays disse with the world”. Em Lincoln Barnett, The Universe and Dr. Einstein, Nova Iorque, 1948, p. 26. Barnett não informa onde Einstein escreveu estas palavras.

(5)Apocalipse 2.17.

(6)Ezequiel 1.4s. Para o “modelo”, conferir Aion, OC, Vol 9/2, § 410s.

 

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