Avançar para o conteúdo principal

Gerhard P. Zacharias

 


Ao Dr. Gerhard P. Zacharias (1)

Zurique, 24 de agosto de 1953.

 

Prezado doutor!

A leitura de seu manuscrito (2), até onde cheguei no momento, foi muito interessante e instrutiva. Acho que o senhor conseguiu, do ponto de vista teológico, assimilar com bastante abrangência os resultados da moderna psicologia do inconsciente, o que se assemelha a uma encarnação ou realização do logos. Assim como Orígenes entende a Sagrada Escritura como corpo do logos, também a psicologia do inconsciente pode ser entendida como um fenômeno de recepção. A imagem de Cristo, como a concebemos anteriormente, não surgiu por intermediação humana, mas o Cristo transcendental (“total”) criou para si um corpo novo e mais específico (3). O reino de Cristo, ou o âmbito do logos “não é deste mundo”, mas uma interpretação para além do mundo; por isso é tão lamentavelmente incorreto quando a teologia, toda vez que faz uma de suas inevitáveis afirmações contra naturam, procura ansiosamente uma desculpa racional como, por exemplo, o fogo no Sinai é justificado através de restos da atividade vulcânica no mar Vermelho! Isto mostra o quanto descambou a transcendência da concepção cristã.

Por favor, não me leve a mal pela opinião de que sua aproximação ocasional do estilo esquizofrênico heideggeriano ou neo-alemão clássico (como Auf-forstung, be-treten, Na-rempelung, Unter-teilung) não atua convincentemente sobre o leitor. O senhor também cita demais o meu nome. Desculpe!

Atenciosamente, C. G. Jung.

Recomendações especiais à sua esposa!

 

(1) Dr. Gerhard P. Zacharias, na época pastor greco-ortodoxo, agora analista em Munique. Obras entre outras: Psyche und Mysterium, Zurique, 1954; Ballet-Gestalten und Wesen, Colônia, 1962; Satankut und Schwarze Messe, Wiesbaden, 1964.

(2) Psyche und Mysterium, Zurique, 1954, Estudos do Instituto C. G. Jung, Vol. 5.

(3) Para entender esta passagem da carta, cf. A. Jaffé, Der mythus vom Sinn in Werk von C. G. Jung, Zurique, 1957, p. 145.

(4) Jung riscou a palavra “ergebener” e substituiu por “er-gebener”.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Aniela Jaffé (Zurique)

Carta à Aniela Jaffé (Zurique) “Bollingen,  12 de abril de 1949. Prezada Aniela, (...) Sua carta chegou num período de reflexões difíceis. Infelizmente nada lhe posso falar a respeito. Seria demais. Também eu ainda não cheguei ao final do caminho do sofrimento. Trata-se de compreensões difíceis e penosas (1). Após longo vagar no escuro, surgiram luzes mais claras, mas não sei o que significam. Seja como for, sei por que e para que preciso da solidão de Bollingen. É mais necessária do que nunca. (...)            Eu a parabenizo pela conclusão de “Séraphita” (2). Ainda que não tivesse aproveitado em nada a Balzac desviar-se do si-mesmo, gostaríamos de poder fazê-lo também. Sei que haveríamos que pagar mais caro por isso. Gostaríamos de ter um Javé Sabaoth como kurioz twn daimonwn (3). Compreendo sempre mais porque quase morri e vejo-me forçado a desejar que assim tivesse sido. O cálice é amargo. Saudações cordiai...

Ao Dr. Hans A. Illing

Los Angeles (Calif. EUA), 26 de janeiro de 1955.   Prezado Doutor, Enquanto médico, considero a perturbação psíquica (neurose ou psicose) uma doença individual; e assim deve ser tratada a pessoa. No grupo o indivíduo só é atingido na medida em que é membro do mesmo (1). Em princípio isto é um grande alívio, pois no grupo a pessoa é preservada e está afastada de certa forma. No grupo o sentimento de segurança é maior e o sentimento de responsabilidade é menor. Certa vez entrei com uma companhia de soldados numa terrível geleira coberta de névoa espessa. A situação foi tão perigosa que todos tiveram que ficar no lugar onde estavam. Não houve pânico, mas um espírito de festa popular! Se alguém estivesse sozinho ou apenais em dois, a dificuldade da situação não teria sido levada na brincadeira. Os corajosos e experientes tiveram oportunidade de brilhar. Os medrosos puderam valer-se da intrepidez dos mais afoitos e ninguém pensou alto na possibilidade de um bivaque improvisado na ...

A uma destinatária não identificada

Bollingen, 31 de julho de 1954.   Dear N., Durante o tumulto do congresso (1) não tive tempo de examinar seus dois sonhos. Eles possuem alguns aspectos confusos. O primeiro sonho tenta demonstrar-lhe que o símbolo de uma união sexual perfeita significa a imagem ctônica da unidade no si-mesmo. Esta tentativa se choca logo com sua divisão entre o em cima e o embaixo, e a senhora começa a pergunta-se se não deveria ter-se mantido do lado ctônico. É evidente que deve fazer isto, sem contudo, perder de vista o aspecto espiritual. Sexualidade e espírito – ambos são um e o mesmo no si-mesmo, ainda que o seu ego seja dominado por seu lado ctônico sempre um pouco fraco demais. Neste caso a senhora corre o perigo de perder-se completamente nele, apoiada num animus idiota que só pode captar um ou outros por vez. Enquanto estiver no si-mesmo, ambos os aspectos estão vivos porque são um e o mesmo, ainda que nossa consciência do eu os distinga. Finalmente, o ego deve ceder e restringir-...