Avançar para o conteúdo principal

Ao Pastor L. Memper

 Ao Pastor L. Memper

Kleinhüningen/Suíça, 29 de setembro de 1953.

 

Prezado Pastor!

Desculpe, por favor, o atraso de minha resposta. Sua carta me trouxe grande alegria e a lembrança de tempos remotos, há muito apagados. Já se passaram 59 anos desde que deixei a casa paroquial de Kleinhüningen (1). Por isso agradeço de coração o seu convite (2). Anos atrás eu o teria aceito de pronto, porque me sinto ligado a todas as etapas de meu caminho, mas agora estou velho demais e, por razões de saúde, já não posso assumir a responsabilidade de proferir uma conferência difícil em público. Falar a um público simples sobre um assunto complicado é uma arte difícil. De qualquer maneira não subiria ao púlpito. Isto só me aconteceu uma vez, num grande congresso de professores em Berna, que se realizou numa igreja sem o meu conhecimento prévio. Para meu horror, fui forçado a subir ao púlpito, o que me causou tamanho choque que nunca mais falei numa igreja. Não me dera conta do quanto significava para mim um espaço sagrado e um recinto sacrossanto. O uso profano que os protestantes fazem de suas igrejas eu o considero grave erro. É verdade que Deus pode estar em toda parte, mas isto não dispensa os fiéis da obrigação de oferecer-lhe um espaço declarado santo, caso contrário seria possível haver uma reunião com fins religiosos também numa sala de espera de terceira classe de uma estação ferroviária. Não se garante ao protestante nem mesmo um lugar sossegado e piedoso no qual possa refugiar-se do tumulto do mundo. Em lugar nenhum existe para Ele um temenos santificado, que sirva para um só e único destino sagrado. por isso não é de admirar que tão poucas pessoas frequentem a igreja.

Mesmo antigamente, apesar de toda a minha disposição de atendê-lo, eu teria colocado como condição não realizar o encontro dentro da igreja, pois sou um fiel antiprofanador. Perdoe-me se aproveitei a ocasião de seu gentil convite para manifestar o meu protesto subjetivo. Mas sei de longa experiência psicológica que é muito doloroso para inúmeras pessoas cultas a profanação racionalista de nossas igrejas.

Ouvi dizer que a lápide sepulcral de meu pai foi erigida nas proximidades da igreja. Infelizmente não fiquei sabendo, quando a lápide ficou pronta, que meu pai ficou designado como Dr. Theol, em vez de Dr. Phil. Na verdade, como orientalista, ele se doutorou em árabe.

Foi para mim grande alegra ouvir novamente alguma coisa de minha terra natal, pois lá passei ao menos 16 anos de minha juventude. Espero que não leve a mal os meus escrúpulos. Encontrei na Índia um templo magnífico e que agora está abandonado no deserto. Ele foi dessacralizado pelos muçulmanos há 400 anos, o que resultou em permanente profanação. Isto me deu certa ideia sobre a força desse sentimento de um recinto sagrado e sobre o vazio que nasce quando entra o profano.

Com elevada consideração e saudações cordiais,

C. G. Jung.

 

(1)Em 1879, o pastor Paul Jung, pai de C. G. Jung, assumiu a paróquia de Kleinhüningen. Cf. Memórias, p. 28s.

(2)O pastor Memper havia convidado Jung para fazer uma conferência no domingo da Reforma dentro da Igreja “para ele ter a oportunidade de falar no mesmo púlpito em que havia pregado seu pai”.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

To Dr. Edward A. Bennet

  To Dr. Edward A. Bennet, (1) Londres, 21 de novembro de 1953.   My dear Bennet, Muito obrigado pelo gentil envio do livro de Jones sobre Freud. O incidente à página 348 é correto, mas as circunstâncias em que ocorreu estão desvirtuadas (2). Trata-se de uma discussão sobre Amenófis IV: o fato de ele ter raspado dos monumentos o nome de seu pai e colocado o seu próprio; segundo modelo consagrado, isto se explica como um complexo negativo de pai e, devido a ele, tudo o que Amenófis criou – sua arte, religião e poesia – nada mais foi do que resistência contra o pai. Não havia notícias de que outros faraós tivessem feito o mesmo. Mas esta maneira desfavorável de julgar Amenófis IV me irritou e eu me expressei de maneira bastante vigorosa. Esta foi a causa imediata do desmaio de Freud. Ninguém nunca me perguntou como as coisas realmente aconteceram; em vez disso faz-se apenas uma apresentação unilateral e deformada de minha relação com ele. Percebo, com grande interesse, que a Roya

Aniela Jaffé (Zurique)

Carta à Aniela Jaffé (Zurique) “Bollingen,  12 de abril de 1949. Prezada Aniela, (...) Sua carta chegou num período de reflexões difíceis. Infelizmente nada lhe posso falar a respeito. Seria demais. Também eu ainda não cheguei ao final do caminho do sofrimento. Trata-se de compreensões difíceis e penosas (1). Após longo vagar no escuro, surgiram luzes mais claras, mas não sei o que significam. Seja como for, sei por que e para que preciso da solidão de Bollingen. É mais necessária do que nunca. (...)            Eu a parabenizo pela conclusão de “Séraphita” (2). Ainda que não tivesse aproveitado em nada a Balzac desviar-se do si-mesmo, gostaríamos de poder fazê-lo também. Sei que haveríamos que pagar mais caro por isso. Gostaríamos de ter um Javé Sabaoth como kurioz twn daimonwn (3). Compreendo sempre mais porque quase morri e vejo-me forçado a desejar que assim tivesse sido. O cálice é amargo. Saudações cordiais, C. G.” (1)Jung trabalhava na época no livro Aion

To Dr. Michael Fordham (1)

Londres, 18 de junho de 1954.   Dear Fordham, Sua carta traz más notícias; senti muito que não tenha conseguido o posto no Instituto de Psiquiatria (2), ainda que seja um pequeno consolo para o senhor que tenham escolhido ao menos um de seus discípulos, o Dr. Hobson (3). Depois de tudo, o senhor se aproxima da idade em que a gente deve familiarizar-se com a dolorosa experiência de ser superado. O tempo passa e inexoravelmente somos deixados para trás, às vezes mais e às vezes menos; e temos de reconhecer que há coisas além de nosso alcance que não deveríamos lamentar, pois esta lamentação é um remanescente de uma ambição por demais jovem. Nossa libido continuará certamente querendo agarrar as estrelas, se o destino não tornasse claro, além de qualquer dúvida razoável, que devemos procurar a perfeição dentro e não fora... infelizmente! Sabemos que há muito a melhorar no interior da pessoa, de modo que devemos agradecer à adversidade quando ela nos ajuda a reunir a energia livr