Avançar para o conteúdo principal

A Philip Metman

 

A Philip Metman (1)

Londres, 27 de março de 1954.

 

Prezado senhor Metman,

Agradeço sua amável carta, que me interessou muito. Percebi, com prazer, que o senhor sofreu um acidente de carro, mas que só a lataria foi afetada, não tendo o senhor nem sua esposa sofrido qualquer dano físico. Isto pode estar naturalmente numa conexão interna com o que o senhor escreve, pois a experiência mostra que acidentes desse tipo estão ligados muitas vezes à energia criativa e se voltam contra nós, porque não receberam a devida atenção. Isto pode acontecer facilmente, pois sempre julgamos de acordo com aquilo que já sabemos e poucas vezes prestamos atenção ao que ainda não conhecemos. Por isso podemos dar passos em direção errada, ou permanecer tempo demais no caminho certo até que se torne errado. Pode acontecer então que sejamos levados a uma mudança de atitude neste caminho um tanto rude.

Pretendo examinar em breve o seu manuscrito (2), pois agora estou novamente ocupado nolens volens com a questão da sincronicidade e da astrologia. Eu me vi quase obrigado a suprimir na edição inglesa o capítulo sobre a astrologia, porque aparentemente ninguém o entendeu (3). Reduzo-o agora a poucas páginas e sem nenhuma tabela de números. Talvez consiga agora tornar acessível a meu público o chiste duvidoso e um ordenamento acausal.

Entrementes, saudações cordiais,

C. G. Jung.

 

P.S. Ficarei satisfeito em saudá-lo no dia 10 de outubro, mas o senhor sabe como são as coisas na idade avançada: a gente promete e sabe que tudo é provisório (...).

 

(1)Philip Metman, 1893-1965, psicoterapeuta e astrólogo. Emigrou para a Inglaterra.

(2)Some Reflections on the Meaning of Illness. Guild of Pastoral Psychology, Lecture nº 83, Londres, 1954.

(3)O capítulo “An Astrological Experiment” não caiu fora da edição inglesa do ensaio sobre a sincronicidade – Vol. 8, mas foi publicado numa forma reelaborada e ampliada.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

To Dr. Edward A. Bennet

  To Dr. Edward A. Bennet, (1) Londres, 21 de novembro de 1953.   My dear Bennet, Muito obrigado pelo gentil envio do livro de Jones sobre Freud. O incidente à página 348 é correto, mas as circunstâncias em que ocorreu estão desvirtuadas (2). Trata-se de uma discussão sobre Amenófis IV: o fato de ele ter raspado dos monumentos o nome de seu pai e colocado o seu próprio; segundo modelo consagrado, isto se explica como um complexo negativo de pai e, devido a ele, tudo o que Amenófis criou – sua arte, religião e poesia – nada mais foi do que resistência contra o pai. Não havia notícias de que outros faraós tivessem feito o mesmo. Mas esta maneira desfavorável de julgar Amenófis IV me irritou e eu me expressei de maneira bastante vigorosa. Esta foi a causa imediata do desmaio de Freud. Ninguém nunca me perguntou como as coisas realmente aconteceram; em vez disso faz-se apenas uma apresentação unilateral e deformada de minha relação com ele. Percebo, com grande interesse, que a Roya

Aniela Jaffé (Zurique)

Carta à Aniela Jaffé (Zurique) “Bollingen,  12 de abril de 1949. Prezada Aniela, (...) Sua carta chegou num período de reflexões difíceis. Infelizmente nada lhe posso falar a respeito. Seria demais. Também eu ainda não cheguei ao final do caminho do sofrimento. Trata-se de compreensões difíceis e penosas (1). Após longo vagar no escuro, surgiram luzes mais claras, mas não sei o que significam. Seja como for, sei por que e para que preciso da solidão de Bollingen. É mais necessária do que nunca. (...)            Eu a parabenizo pela conclusão de “Séraphita” (2). Ainda que não tivesse aproveitado em nada a Balzac desviar-se do si-mesmo, gostaríamos de poder fazê-lo também. Sei que haveríamos que pagar mais caro por isso. Gostaríamos de ter um Javé Sabaoth como kurioz twn daimonwn (3). Compreendo sempre mais porque quase morri e vejo-me forçado a desejar que assim tivesse sido. O cálice é amargo. Saudações cordiais, C. G.” (1)Jung trabalhava na época no livro Aion

To Dr. Michael Fordham (1)

Londres, 18 de junho de 1954.   Dear Fordham, Sua carta traz más notícias; senti muito que não tenha conseguido o posto no Instituto de Psiquiatria (2), ainda que seja um pequeno consolo para o senhor que tenham escolhido ao menos um de seus discípulos, o Dr. Hobson (3). Depois de tudo, o senhor se aproxima da idade em que a gente deve familiarizar-se com a dolorosa experiência de ser superado. O tempo passa e inexoravelmente somos deixados para trás, às vezes mais e às vezes menos; e temos de reconhecer que há coisas além de nosso alcance que não deveríamos lamentar, pois esta lamentação é um remanescente de uma ambição por demais jovem. Nossa libido continuará certamente querendo agarrar as estrelas, se o destino não tornasse claro, além de qualquer dúvida razoável, que devemos procurar a perfeição dentro e não fora... infelizmente! Sabemos que há muito a melhorar no interior da pessoa, de modo que devemos agradecer à adversidade quando ela nos ajuda a reunir a energia livr