Paris, 26 de maio de 1954.
Monsieur,
Antes de mais nada gostaria de pedir
desculpas pela demora em responder à sua carta de 19 de março. Isto se deve às
minhas férias ou doença. Além disso, minha idade já não me permite cumprir
todas as minhas obrigações como eu gostaria.
Eis as respostas às suas perguntas:
1.Relação entre astrologia e psicologia:
Há muitos exemplos de analogias
surpreendentes entre constelações astrológicas e fatos psicológicos, ou entre o
horóscopo e a disposição do caráter. Até certo ponto é possível predizer
inclusive o efeito psíquico de uma passagem, por exemplo (2).
Pode-se esperar com um grau de possibilidade
bastante elevado que uma situação psíquica determinada venha acompanhada de uma
configuração astrológica análoga. A astrologia, assim como o inconsciente
coletivo, com o qual se ocupa a psicologia, consiste de configurações simbólicas:
os planetas são os “deuses”, símbolos das forças do inconsciente (em primeiro
lugar, ao lado de outro).
2.O modus operandi de constelações astrológicas:
Parece-me que se trata principalmente
daquele paralelismo ou daquela “simpatia” que eu chamo sincronicidade, isto é,
a conexão acausal que expressa relações não explicáveis por uma causa como, por
exemplo, a precognição, premonição, psicocinese (PK) e também o que chamamos de
telepatia. A causalidade é verdade estatística, mas existem exceções de
natureza acausal que integram a categoria dos fatos sincronísticos (não
sincrônicos”). Eles se referem ao “tempo qualitativo”.
3.Minha posição quanto à suposição astrológica
de existir um quadro psíquico desde o nascimento e quanto à explicação psicanalítica
da etiologia das neuroses por meio de experiências da primeira infância:
O efeito específico (patogênico) das
primeiras experiências baseia-se, por um lado, nas influências do meio ambiente
e, por outro, na predisposição psíquica, isto é, na hereditariedade, o que
parece ficar demonstrado no horóscopo. Parece que o horóscopo corresponde a um
momento determinado na conversa dos deuses, ou seja, dos arquétipos psíquicos.
4.O tempo qualitativo:
Empreguei este conceito em tempos
passados, mas eu o substituí pela ideia da sincronicidade, uma analogia à
simpatia ou correspondentia (sumpaqeia dos antigos), ou à
harmonia preestabelecida de Leibniz. O tempo em si consiste de nada. Ele é
apenas um modus cogitandi que utilizamos para exprimir e formular o fluxo das
coisas e acontecimentos, assim como o espaço nada mais é do que um modo de circunscrever
a existência de um corpo. Se nada acontecer no tempo e não houver corpo no
espaço, então não haverá tempo nem espaço. O tempo é “qualificado” sempre e exclusivamente
por acontecimentos, e o espaço pela extensão dos corpos. “Tempo qualitativo” é
uma tautologia e não diz nada, ao passo que sincronicidade (não “sincronismo”)
expressa o paralelismo e a analogia dos acontecimentos, enquanto forem não causais.
O “tempo qualitativo” é uma hipótese que pretende explicar o paralelismo e a
analogia dos acontecimentos em termos de causa e efeito. Mas enquanto o tempo
qualitativo é apenas um fluxo de coisas e igualmente “nada” como o espaço, esta
hipótese só confirma a tautologia: o fluxo das coisas e dos acontecimentos é a
causa do fluxo da coisa, etc.
A sincronicidade não admite a causalidade
para explicar a analogia entre acontecimentos terrenos e constelações astrais
(excetuando-se a deflexão dos prótons solares e sua possível influência sobre
acontecimentos terrenos). E não a admite de modo algum nos casos de percepções
extrassensoriais (PES), sobretudo no caso da precognição; pois é inconcebível
que se possa perceber o efeito de uma causa não existente, ou ainda não existente.
O que se pode afirmar com a ajuda da
astrologia é a analogia dos acontecimentos [terrenos e das constelações astrais](4),
mas não a causa ou efeito de uma série de acontecimentos em relação à outra (a
mesma constelação significa, por exemplo, na mesma pessoa, uma vez que uma
catástrofe e outra vez um resfriado...).
Apesar disso, o problema da astrologia não
é tão simples. Essas deflexões dos prótons solares existem nas conjunções, oposições
e quadrantes, por um lado, e nos trígonos e sextis, por outro, e exercem influência
sobre o rádio e outras coisas mais (5). Não tenho competência para julgar da
importância que deve merecer esta possibilidade.
De qualquer forma, a posição da astrologia
é especial entre os métodos intuitivos; existem razões para duvidar da teoria
da causalidade e também da validade exclusiva da hipótese da sincronicidade
(6).
5.Observei várias vezes que uma fase psíquica
bem definida ou um acontecimento correspondente eram acompanhados de uma
passagem astral (Sobretudo quando Saturno e Urano eram atingidos).
6.Minha principal crítica aos astrólogos:
Se eu pudesse manifestar-me sobre um campo
que conheço apenas superficialmente, diria que o astrólogo nem sempre toma as indicações
como simples possibilidade. A interpretação é às vezes literal demais e simbólica
de menos, e é também pessoal demais. O zodíaco e os planetas não fornecem dados
pessoais, mas dados impessoais e objetivos. Também devem ser consideradas
diversas “camadas de interpretação” na interpretação das casas.
7.É evidente que a astrologia tem muito a
oferece à psicologia, mas é menos evidente o que esta última pode oferecer à
sua irmã mais velha. Eu diria que seria proveitoso para a astrologia se ela
tomasse em consideração a existência da psicologia, sobretudo a psicologia da
pessoa e do inconsciente. Estou quase certo de que alguma coisa pode ser
aprendida de seu método da interpretação dos símbolos. Trata-se da interpretação
dos arquétipos (dos deuses) e de suas relações mútuas, interesse comum das duas
artes. Sobretudo a psicologia do inconsciente trata da simbologia arquetípica.
Espero ter respondido às suas perguntas.
Je vous presente, Monsieur, l’expression
de mes sentiments distingués.
C. G. Jung.
(1)André Barbault era vice-presidente do “Centre
International d’Astrologie”, Paris. Enviou a Jung as seguintes perguntas:
a.Qual a relação que o senhor vê entre
astrologia e psicologia?
b.Como pode ser descrita esta relação:
física, causal ou sincrônica?
c.Qual a sua posição diante do fato de que
os astrólogos admitem um quadro psicológico existente desde os nascimento, enquanto
os psicanalistas explicam a etiologia das neuroses a partir de experiências da
primeira infância?
d.A astrologia traz o conceito de um tempo
qualitativo no universo. O senhor aceita seu papel na psique individual
(problema de ciclos e passagens)?
e.No transcurso do tratamento analítico, o
senhor observou que fases típicas de estagnação ou de progresso coincidiram com
certas constelações astrológicas, por exemplo, passagens?
f.Qual é a sua principal crítica aos
astrólogos?
g.Qual a nova orientação que aconselharia para
a astrologia?
(2)Os símbolos astrológicos introduzidos à
mão por Jung faltam nesta cópia da carta.
(3)Cf. carta a Whitmont, 04 de março de
1950, nota 3.
(4)Cf. “Em memória de Richard Wilhelm”, em
Jung-Wilhelm, O segredo da flor de ouro, 1957 e OC, Vol. XV, § 81s:”O que nasce
ou é criado num dado momento adquire as qualidades deste momento”.
(5)Cf. carta a Jaffé, de 08 de setembro de
1950, nota 2.
(6)Cf. carta a Bender, de 10 de abril de
1958.
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