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A uma destinatária não identificada

Bollingen, 31 de julho de 1954.

 

Dear N.,

Durante o tumulto do congresso (1) não tive tempo de examinar seus dois sonhos. Eles possuem alguns aspectos confusos. O primeiro sonho tenta demonstrar-lhe que o símbolo de uma união sexual perfeita significa a imagem ctônica da unidade no si-mesmo. Esta tentativa se choca logo com sua divisão entre o em cima e o embaixo, e a senhora começa a pergunta-se se não deveria ter-se mantido do lado ctônico. É evidente que deve fazer isto, sem contudo, perder de vista o aspecto espiritual. Sexualidade e espírito – ambos são um e o mesmo no si-mesmo, ainda que o seu ego seja dominado por seu lado ctônico sempre um pouco fraco demais. Neste caso a senhora corre o perigo de perder-se completamente nele, apoiada num animus idiota que só pode captar um ou outros por vez. Enquanto estiver no si-mesmo, ambos os aspectos estão vivos porque são um e o mesmo, ainda que nossa consciência do eu os distinga. Finalmente, o ego deve ceder e restringir-se ao julgamento. Ele não sabe compreender, deve simplesmente aceitar o paradoxo. O si-mesmo é mais do que podemos compreender. Por isso não tente compreender, senão levará seu animus à tentação de analisar a experiência. A senhora deveria alegrar-se por uma experiência de sonhos tão positiva.

Cordially yours, C. G. Jung.

 

(1)Primeiro Congresso Internacional de Psicologia Analítica, Zurique.

Imagem: Mandala, O Livro Vermelho (ilustrado), p. 89.

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