Munique, 11 de novembro de 1954.
Prezada senhora,
Aceitaria com muito prazer sua
sugestão de dedicar-me à obra de Hölderlin, se tivesse competência para isso.
Infelizmente já não tenho a necessária energia e estou velho demais – em meus
80 anos – para enfrentar tal tarefa. Os versos de Hölderlin que a senhora cita,
eu os conheço muito bem (1). Trabalhei tanto nestas últimas décadas que preciso
poupar-me inclusive de esforços intelectuais relativamente pequenos. É tarefa
das novas gerações abrir algumas portas, ainda trancadas, com as chaves que eu
preparei. Contudo, não vejo até agora ninguém que possa enfrentar um trabalho
sobre Hölderlin. Esta tarefa está reservada a um futuro distante. Uma pessoa
carrega a tocha apenas até certo ponto, então precisa deitá-la ao chão; não
porque tenha chegado a um fim, mas porque suas forças já não o permitem. Seria
muito inconveniente abordar tal assunto com impaciência senil. Não posso negar
que me passou pela cabeça todo tipo de pensamentos a este respeito, mas este
traidor, o corpo, me abandona. De qualquer forma, agradeço o seu piedoso desejo
que tem sua plena justificação.
Com elevada consideração, C. G.
Jung
(1)Trata-se dos versos iniciais
de Hölderlin do poema Patmos:
Nah ist
Und schwer zu fassem Gott.
Wo aber Gefahr ist, wächst
Das Rettende auch...
(Deus perto está
Difícil de captar.
Mas, onde há perigo, cresce
O que salva também).
Jung interpretou partes deste
poema e de outros poemas de Hölderlin em Símbolos da transformação (Vol. 5, §
618s). Em 1953, Dr. Georg Gester publicou uma coletânea de poemas, seus
preferidos, de pessoas famosas e pediu a Jung que indicasse três que ele
preferia. Jung respondeu: “Fazer uma seleção de meus superlativos aparece quase
impossível. Qualquer uma dentre as inumeráveis ilhas de bem-aventurados me é
suficiente. Só posso dizer que Goethe, Hölderlin e Nietzsche caracterizam aqueles
mundos dos quais me veio a maioria das coisas. Minha tentativa: Goethe “Der
Gott um die Bajadere”, a primeira estrofe do hino de Hölderlin “Patmos” e
Nietzsche “Aus hohen Bergen”. Isto, porém, sem garantia, pois na abundância a
gente se engana facilmente. Amanhã talvez me ocorra outra coisa”. Cf. Georg
Gerster, Trunken von Gedichten. Eine
Anthologie geliebter detscher Verse, Zurique, 1953, p. 63.
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