À Aniela Jaffé
Zurique, 26 de dezembro de 1954.
Prezada Aniela,
Não sei o que mais admiro, se sua
paciência, seu sentido do essencial e sua força descritiva, ou a penetração
admiravelmente profunda de Broch no mistério da transformação, a perseverança e
coerência dele e, finalmente, a maestria linguística dele (1). Em última
instância, devo alegrar-se por não ter tido esta capacidade linguística, pois
se a tivesse tido nos anos 1914-1918 (2), meu desenvolvimento posterior teria
tomado outro rumo, menos condizente com minha natureza. Apesar disso, Broch e
eu tivemos algo em comum: esmagados pela numinosidade das coisas vistas, um
envolveu sua visão num nevoeiro impenetrável (ou quase assim) de imagens,
enquanto o outro a cobriu com uma montanha de experiências práticas e paralelos
históricos. Ambos quiseram mostrar e revelar, mas, por excesso de motivos,
ambos ocultaram novamente o inefável e assim abriram novos caminhos laterais
para o erro. Aconteceu-nos o mesmo que a Goethe no Fausto II: “Misteriosa em
plena luz do dia, a natureza não permite que lhe tirem o véu...”!
Contudo, algumas novas luzes foram acesas,
e uma delas é seu ensaio sobre Broch, de modo que também em nosso tempo aquele
que está procurando possa encontrar o caminho do essencial.
Muito lhe agradeço também o presente de
Natal. Comecei a lê-lo de imediato. O livro é muito bem escrito e seu conteúdo
exerce influência benéfica. Há coisas nas fotografias do céu que me tocam de
maneira sumamente estranha. Mas não quero ou não posso dizer nada sobre elas,
pois não encontrei as palavras certas. Elas me afetam de alguma forma, mas não
sei como nem onde.
Com agradecimentos cordiais de seu fiel,
C. G. Jung.
(1)Cf. carta a Jaffé, de 22 de outubro de
1954.
(2)Cf. para isso o capítulo “Confronto com
o inconsciente”, em Memórias, p. 152.
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