Corona (Calif./EUA), 25 de fevereiro de 1955.
Dear Mr. Sinclair,
Muito obrigado por tudo que me enviou (1). O senhor é
realmente de uma fertilidade impressionante. Li o seu drama com o maior
interesse (2). Tocou-me profundamente o aspecto humano desse problema horrível.
Não há realmente outra saída para ele do que o suicídio. Isto é assim porque
estas invenções – as bombas de urânio e hidrogênio – são produzidas pela mente
humana, instigada pelo grande genocídio que o inconsciente planeja para
compensar o incessante e inevitável aumento populacional, que deve levar a
catástrofes gigantescas se não intervierem invenções miraculosas e imprevistas.
Mas ainda assim a conflagração será apenas adiada. É a espada de Dâmocles
suspensa sobre nossas cabeças por um fio bem tênue. Seu drama é um golpe
certeiro, ao menos na opinião de um espectador ingênuo como eu, mas de cuja
incompetência literária devo preveni-lo.
Li sua carta ao Time e acrescentei – com sua permissão –
alguns detalhes históricos (3).
Agradeço-lhe o exemplar do Time. A. Keller gostou do seu
retrato. Não preciso dizer que eu não me conhecia por este lado. O fotógrafo
deve ter-me flagrado num momento incomum.
Também agradeço o seu interessante artigo Mental Radio (4).
Sempre que leio tais relatos lembro-me do fato de que nossa psique tem um
aspecto que desafia o espaço e o tempo e, incidentalmente, a causalidade; e é
isto precisamente o que os nossos parapsicólogos ainda não entendem.
Sua ideia de uma revolta feminista no céu é muito engraçada.
Por falar nisso, esta é a razão, a saber: A Assumptio B. V. Mariae, porque
aprecio uma imprensa relativamente decente do lado católico, ao passo que o
material costumeiro que recebo é exatamente da espécie que o senhor me enviou.
Os recenseadores incompetentes e profundamente ignorantes me subestimam. Em
geral só tenho maus recenseadores para os meus livros, o que poderia
convencer-me de que escrevo coisas bastante boas. Às vezes é difícil acreditar
nisso. Nesta mesma remessa do correio recebi uma recensão deveras decente de
Psicologia e Alquimia, escrita por um americano, um tal de Mr. Sykes (5). Ele
tem algo a ver com Salzburgo e com a Escola Americana de lá. Mas felizmente, a
julgar pela venda satisfatória de meus livros, o público não leva em
consideração essas críticas inadequadas.
O senhor está certo: com o dogma da Assumptio, o inconsciente
“flui para dentro da Igreja”, pois a mulher é sua (do inconsciente)
representante na Terra.
Quanto a Enemy in the Mouth (6), o senhor poderia procurar a
Bollingen Press. Informe-me a respeito e eu o recomendarei a Barrett. O alcoolismo
é uma ameaça terrível para uma nação. Veja a França!
Não se aborreça – eu não
sou muito respeitável, e o senhor é bem mais conhecido na América do que eu.
Por favor, não se exponha tanto em favor de meu pequeno livro. Ele fará o seu
caminho devagar, como todos os meus outros livros. O regente de meu nascimento,
o velho Saturno, tornou lento meu processo de maturação, a ponto de eu só tomar
consciência de minhas próprias ideias no começo da segunda metade de minha
vida, isto é, quando tinha exatamente 36 anos de idade (8). Peço desculpas por
usar metáforas astrológicas antigas. A “astrologia” é outro daqueles “fenômenos
causais” rechaçado pelo ídolo do valor médio, que todos acreditam ser uma
realidade e que, no entanto, é mera abstração. Em breve aparecerá em língua
inglesa um livro que publiquei com o físico Prof. W. Pauli (9). Ele é mais
chocante do que Jó, mas dessa vez para o cientista e não para o teólogo. Trata
do “fenômeno casual” da percepção extrassensorial, sobretudo do aspecto
teórico, ao menos a parte que eu escrevi. A parte de Pauli trata do papel do
arquétipo na formação de certos conceitos físicos. A reação do público será bem
pior do que no caso de Jó.
O modo de reagir do
mundo científico lembra-me vivamente aqueles tempos remotos em que estive
sozinho em favor de Freud contra um mundo cegado pelo preconceito; e desde
então fui objeto de calúnia, irritação e desprezo, ainda que tenha colhido
também boa qualidade de reconhecimento, paradoxalmente por parte de
universidades (entre as quais Oxford e Havard) (10). Não ouso acreditar que
elas não sabiam o que estavam fazendo. Quem está certo, meus críticos ou as
academias? Neste meio-tempo posso dizer com Schopenhauer: legor et legar! (11)
(Seu destino foi pior: da primeira edição de seu Welt als Wille und
Vorstellung, só foi vendido um exemplar!)
Lamento tomar o seu
precioso tempo com desabafos pessoais. Quis apenas esclarecer que a crítica
negativa era coisa esperada, ao passo que uma recensão decente é exceção rara
e, por isso, um “fenômeno casual” imprevisível.
Espero ter respondido a
todos os pontos de sua carta.
I remain,
Yours sincerely, C. G.
Jung.
(1)Upton Sinclair mandou
a Jung vários manuscritos seus; cf. as notas a seguir.
(2)Trata-se de um drama
faustiano moderno, “Dr. Fist”. O físico Dr. Fist fabrica a bomba atômica após
um pacto com Mefisto, o comandante-chefe do inferno. Ao final do drama, Dr.
Fist comete suicídio e o diabo reclama sua alma. A peça nunca foi publicada e
só se encontra disponível na forma datilografada, como “livro do ponto” (no
teatro), na NYPOL Theatre Collection do Lincoln Center, Nova Iorque.
(3)A carta de Sinclair
apareceu no Time, em 7 de março de 1955. Ele se opôs à afirmação de ser Freud o
“descobridor” do inconsciente; o conceito seria muito anterior a Freud. A carta
de Sinclair foi uma resposta a um artigo publicado no Time, em 14 de fevereiro
de 1955; cf. carta a Tenney, de 23 de fevereiro de 1955.
(4)Upton Sinclair,
Mental Radio, Pasadena e Nova Iorque, 1930. Sinclair fala de uma experiência em
que ele se concentrava mentalmente numa imagem, e sua mulher, dentro de casa,
procurava desenhar esta imagem.
(5)A recensão de Gerald
Sykes foi publicada em New York Times Book Review, em 02 de agosto de 1953.
(6)O manuscrito de
Sinclair, Enemy in the Mouth, foi publicado mais tarde com o título The Cup of
Fury, Great Neck, 1956. Trata das consequências do alcoolismo. A tese vem
ilustrada por 80 casos de alcoólicos, metade deles escritores de renome.
(7)Cf. carta a
Priestley, de 08 de novembro de 1954, nota 2.
(8)Jung refere-se a
Wandlungen und Symbole der Libido. O livro foi publicado em 1912, quando Jung
tinha 37 anos. Levou-o a separar-se de Freud e foi o marco inicial de sua
própria psicologia.
(9)Jung-Pauli, The
interpretation of Nature and the Psyche, Nova Iorque e Londres, 1955. O livro
contém o ensaio de Jung sobre sincronicidade.
(10)Entre os inúmeros
títulos de doutor honoris causa, recebidos por Jung, estão os da Universidade
de Havard (1936) e da Universidade de Oxford (1938).
(11)Eu sou lido e serei
lido.
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