Avançar para o conteúdo principal

Padre Victor White (Oxford)

Bollingen, 

08 de janeiro de 1949

"Dear Victor,
Muito obrigado por sua carta amável e humana! Pelo menos sei agora onde o senhor está. Temia que a América o tivesse arrebatado em espírito. É bem do meu jeito ter esquecido sua carta muito útil e compreensiva sobre a anima Christi, isto é, esqueci de agradecer-lhe! Fico realmente muito agradecido por haver respondido de modo tão completo a minha pergunta. Tais sentimentos ou certa espécie deles desaparecem de repente do campo visual, sobretudo naquele momento em que deveria reconhecê-los. É este o modo como se comporta a função inferior.
Suas observações enigmáticas sobre "efeitos sincrônicos" em 16 de dezembro despertaram a minha curiosidade, uma vez que me sinto totalmente inocente quanto a motivos dissimulados em minha carta. Este sentimento de inocência pode provar o contrário. Lamento que o senhor não possa dizer mais sobre o assunto. De minha parte, foi uma compulsão interna que me levou a escrever. Senti necessidade de ouvir algo do senhor. O efeito que a América teve sobre o senhor parece-se com algo que passou diretamente para o inconsciente, donde surgirá de novo, após uma incubação mais ou menos prolongada, numa forma nova.
A combinação de sacerdote e curandeiro não é tão impossível quanto o senhor parece pensar. Ambos se baseiam num arquétipo comum, que irá afirmar-se, supondo-se que seu desenvolvimento continue continue até agora. É verdade que a "fímbria" (margem, borda, beirada) de novas coisas se constitui sempre de figuras estranhas. [Em todas experiências novas, ficamos em suas margens, sequer deixamos nos aproximar - de onde vem a ansiedade por rejeitarmo-las]. Imagino que poderíamos ter observado lunáticos muito parecidos entre os primeiros seguidores do cristianismo, por exemplo as pessoas que foram curadas da possessão. Em suma, a Inglaterra e nosso velho mundo são o seu Rhodes, hic salta! (Aqui é Rodes, salta aqui! - texto de uma fábula de Esopo (cerca de 620-560 a. C.). Voltando de uma viagem, certo homem se gabava de ter dado um salto espetacular na ilha de Rodes, foi desafiado a repeti-lo em sua casa) [É como dissesse: "As situações da vida vêm para testar-nos para demonstrarmos para nós mesmos se somos capazes de enfrentá-las, e não para desistirmos, e, assim, sermos derrotados).
Nossa ansiedade sempre indica a nossa tarefa. Se dela fugirmos, perdemos um pedaço de nós mesmos, e um pedaço altamente problemático com o qual o Criador das coisas estava para fazer uma experiência em sua maneira imprevisível. Seus caminhos podem de fato provocar ansiedade. E sobretudo quando não estamos em condições de enxergar por baixo da superfície. Nossa mente independente é sujeito e objeto do experimento divino. (...) Se o senhor se sente isolado na Inglaterra, por que não faz de um de seus fratres um verdadeiro irmão no espírito? Quando cheguei a Zurique, a cidade mais materialista da Suíça, não havia ninguém que correspondesse às minhas necessidades. Então plasmei algumas pessoas para mim. Elas estavam previstas para esta experiência. Era possível ver isso a partir de seus sonhos.
Lamento que esta tenha sido outra carta longa. Não se preocupe em respondê-la.
Yours cordially, C. G."
JUNG, C. G. Cartas: 1946-1955. Vol. II. Petrópolis: Vozes, 2002: 122-123.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

To Dr. Edward A. Bennet

  To Dr. Edward A. Bennet, (1) Londres, 21 de novembro de 1953.   My dear Bennet, Muito obrigado pelo gentil envio do livro de Jones sobre Freud. O incidente à página 348 é correto, mas as circunstâncias em que ocorreu estão desvirtuadas (2). Trata-se de uma discussão sobre Amenófis IV: o fato de ele ter raspado dos monumentos o nome de seu pai e colocado o seu próprio; segundo modelo consagrado, isto se explica como um complexo negativo de pai e, devido a ele, tudo o que Amenófis criou – sua arte, religião e poesia – nada mais foi do que resistência contra o pai. Não havia notícias de que outros faraós tivessem feito o mesmo. Mas esta maneira desfavorável de julgar Amenófis IV me irritou e eu me expressei de maneira bastante vigorosa. Esta foi a causa imediata do desmaio de Freud. Ninguém nunca me perguntou como as coisas realmente aconteceram; em vez disso faz-se apenas uma apresentação unilateral e deformada de minha relação com ele. Percebo, com grande interesse, que a Roya

Aniela Jaffé (Zurique)

Carta à Aniela Jaffé (Zurique) “Bollingen,  12 de abril de 1949. Prezada Aniela, (...) Sua carta chegou num período de reflexões difíceis. Infelizmente nada lhe posso falar a respeito. Seria demais. Também eu ainda não cheguei ao final do caminho do sofrimento. Trata-se de compreensões difíceis e penosas (1). Após longo vagar no escuro, surgiram luzes mais claras, mas não sei o que significam. Seja como for, sei por que e para que preciso da solidão de Bollingen. É mais necessária do que nunca. (...)            Eu a parabenizo pela conclusão de “Séraphita” (2). Ainda que não tivesse aproveitado em nada a Balzac desviar-se do si-mesmo, gostaríamos de poder fazê-lo também. Sei que haveríamos que pagar mais caro por isso. Gostaríamos de ter um Javé Sabaoth como kurioz twn daimonwn (3). Compreendo sempre mais porque quase morri e vejo-me forçado a desejar que assim tivesse sido. O cálice é amargo. Saudações cordiais, C. G.” (1)Jung trabalhava na época no livro Aion

To Dr. Michael Fordham (1)

Londres, 18 de junho de 1954.   Dear Fordham, Sua carta traz más notícias; senti muito que não tenha conseguido o posto no Instituto de Psiquiatria (2), ainda que seja um pequeno consolo para o senhor que tenham escolhido ao menos um de seus discípulos, o Dr. Hobson (3). Depois de tudo, o senhor se aproxima da idade em que a gente deve familiarizar-se com a dolorosa experiência de ser superado. O tempo passa e inexoravelmente somos deixados para trás, às vezes mais e às vezes menos; e temos de reconhecer que há coisas além de nosso alcance que não deveríamos lamentar, pois esta lamentação é um remanescente de uma ambição por demais jovem. Nossa libido continuará certamente querendo agarrar as estrelas, se o destino não tornasse claro, além de qualquer dúvida razoável, que devemos procurar a perfeição dentro e não fora... infelizmente! Sabemos que há muito a melhorar no interior da pessoa, de modo que devemos agradecer à adversidade quando ela nos ajuda a reunir a energia livr