To Virginia
Payne
Madison
(Wisconsin) EUA,
23 de julho de 1949.
23 de julho de 1949.
Dear Miss Payne,
Lembro-me bem
da Clark Conference de 1909 (1). Foi minha primeira visita aos Estados Unidos e
por isso as recordações são muito nítidas, ainda que os detalhes da Conference
tenham desaparecido quase por completo. Mas recordo alguns incidentes.
Viajei no mesmo
navio com o Professor Freud, que também fora convidado, e lembro-me muito bem
de nossa discussão sobre suas teorias. Analisamos sobretudo os nossos sonhos
durante a viagem, durante nossa estadia na América e na viagem de volta. O
Professor William Stern (2), Breslau, estava no mesmo navio, mas Freud não se
entusiasmou muito com a presença de um psicólogo acadêmico. Não é de admirar,
porque sua posição de pioneiro na Europa não era nada invejável. Ainda hoje
simpatizo com os sentimentos negativos deles, pois também eu experimentei o
mesmo destino por mais de 30 anos.
Duas
personalidades que encontrei na Clark Conference causaram-me profunda e
duradoura impressão. Uma foi Stanley Hall (3), o presidente, e a outra foi
William James que encontrei lá na primeira vez. Lembro-me especialmente de uma
noite na casa de Stanley Hall. Após o jantar, apareceu William James, e eu
estava particularmente interessado na relação pessoal entre Stanley Hall e
William James, pois deduzi de algumas observações do presidente Hall que
William James não era levado muito à sério devido ao seu interesse em Mrs.
Piper e em suas percepções extra-sensoriais. Stanley Hall disse-nos que havia
pedido a James para discutir alguns de seus resultados com Mrs. Piper e trazer
alguma coisa de seu material. Quando James entrou (estavam na sala Stanley
Hall, o Professor Freud, uma ou duas pessoas mais e eu), ele disse a Hall:
“Trouxe alguns papéis que talvez lhe interessem”. Levou sua mão ao bolso
interno do paletó e tirou um pequeno embrulho que, para surpresa nossa, era um
maço de notas de dólar. Considerando os enormes serviços de Stanley Hall em
prol do crescimento e bem-estar da Clark University e suas observações bastante
críticas aos interesses de James, isto nos pareceu uma réplica especialmente
feliz. James pediu muitas desculpas e, depois, tirou do outro bolso os
verdadeiros papéis.
Passei
sozinho duas noites agradáveis com William James e fiquei tremendamente
impressionado com a clareza de sua mente e com a total ausência de preconceitos
intelectuais. Stanley Hall também era pessoa de mente arejada, mas com traços
decididamente acadêmicos.
A Conferência
foi notável pelo fato de ser a primeira vez que o Professor Freud tinha contato
direto com a América. Foi o primeiro reconhecimento oficial da existência da
psicanálise, e isto significou muito para ele, pois em lamentavelmente ínfimo o
seu reconhecimento na Europa. Naquela época eu ainda era um homem novo.
Lecionava sobre testes de associação e sobre um caso de psicologia infantil
(4). Estava interessado também na parapsicologia, e minhas discussões com
William James giravam principalmente em torno deste assunto e da psicologia da
experiência religiosa.
Ao que me
lembro, não fizemos muitos contatos com psicólogos ou psiquiatras, à exceção do
velho Dr. Putnam (5) que, curiosamente, era adepto da filosofia de Hegel.
Tirando isso, era uma personalidade sem preconceitos e muito humana de quem
gostei e que admirei.
Como era a
primeira vez que estávamos na América, achamos tudo muito estranho e tínhamos a
impressão de não falar a mesma língua intelectual do meio ambiente americano.
Tive várias discussões com o Professor Freud sobre a psicologia tipicamente
americana que, ao menos para mim, era mais ou menos enigmática. Só captei o
ponto essencial quando voltei em 1912 (6). Só então comecei a entender as
características principais e distintivas da psicologia americana em comparação
com a europeia.
Passamos uma
semana muito interessante no acampamento do Dr. Putnam nos Adirondacks e
continuamos a ser desnorteados pelos modos e ideias peculiares dos muitos
hóspedes nativos do acampamento. Foi uma grande reunião de mais ou menos 40
pessoas.
Não consigo
lembrar-me bem das palestras apresentadas na Conference, nem das discussões que
se seguiram, mas sentimos perfeitamente que nosso ponto de vista era muito
diferente e que dificilmente havia uma ponte entre os pontos de vista
prevalecentes na América e os nossos de cunho europeu.
Não me cabe
julgar o efeito (da Clark Conference) sobre a psiquiatria em geral, pois
trata-se de um desenvolvimento especificamente americano e que eu não
acompanhei. A influência da psicologia sobre a psiquiatria é ainda bem pequena
por razões óbvias. Em qualquer instituição de grande porte não há tempo para a
pesquisa científica individual – ao menos é o que acontece na Europa, e o
número de psiquiatras que estudaram comigo é bem pequeno.
Espero
ter-lhe dado ao menos uma ideia de minhas recordações da Clark Conference.
Yours sincerely, C. G. Jung.
(1)Miss Payne
estava trabalhando em sua dissertação de doutorado sobre a “Clark Conference
1909” e pediu que Jung lhe enviasse as suas recordações. Jung fora convidado
para esta Conferência para falar sobre seus experimentos de associações. Também
Freud fora convidado; viajaram juntos.
(2)William
Stern (1871-1938), professor de Psicologia em Breslau e Hamburgo, emigrou em
1933 para os Estados Unidos.
(3)Stanley F.
Hall (1844-1924), professor de Psicologia e presidente da Clark Univesity.
(4) “Sobre os
conflitos da alma infantil”, em OC, Vol. XVII.
(5) Dr. James
Putnam (1846-1918), professor de neurologia na Universidade de Harvard, membro
fundador da “American Psychoanalytical Association”.
(6)Em
setembro de 1912, Jung deu uma conferência sobre “The Theory of Psychoanalysis”
na Medical School of Fordham University, Nova Iorque (OC, Vol. IV).
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