Ao Ministro Dr. Edmund
Kaufmann (1)
Stuttgart,
janeiro de 1950.
Exmo. Sr. Ministro!
Permita-me, como
estrangeiro, a liberdade de tomar o seu precioso tempo num assunto que diz
respeito ao seu país. Escrevo-lhe a pedido do Dr. W. Bitter, diretor do
Stuttgarter Psychotherapeutischen Lehrinstitut. A existência desse Instituto
está ameaçada, em parte pelas dificuldades financeiras e, em parte e sobretudo,
pela associação dos neurologistas, sob a direção do Prof. Kretschmer. O
Instituto forma não só médicos mas também leigos para o trabalho psicoterapêutico.
Por razões corporativas e de prestígio, este trabalho é um espinho na carne dos
psiquiatras e da associação dos neurologistas. Nós tivemos a mesma dificuldade
na Suíça e, em parte, ainda a temos. Mas conseguimos com muito esforço que
fossem dadas preleções nas Faculdades de Medicina (de Zurique) sobre psicologia
e terapia das neuroses. E há dois anos foi fundado em Zurique um instituto
semelhante em suas diretrizes ao de Stuttgart.
Com exceção de Londres,
Berlim e Zurique, não há hoje em dia nenhuma Universidade ou Faculdade de
Medicina, ou qualquer outro instituto em que os especialistas necessários e
seus assistentes recebam um treinamento psicológico suficiente. O Instituto de
Stuttgart é uma exceção digna de louvor.
A enorme disseminação das
neuroses em nosso tempo torna urgentemente necessário que os médicos e seus
assistentes recebam uma formação psicológica condizente. Pelo fato de haver
poucos especialistas (porque não receberam formação psicológica nas
Universidades), o psicoterapeuta médico bem como um instituto psicoterapêutico dependem
da colaboração de leigos treinados. Em minha longa prática internacional sempre
tive, durante décadas, assistentes leigos e não poderia ter feito o que fiz sem
a cooperação deles. Não houve e não há médicos suficientes que tenham uma formação
confiável em psicoterapia. Isto requer um conhecimento profundo que não é
transmitido nem mesmo nas clinicas psiquiátricas.
Os institutos de ensino
da psicoterapia são de grande importância social e preenchem uma lamentável
lacuna no currículo médico das Universidades. Apesar de ser médico também –
medicus medicum non decimat (3) – devo constatar com tristeza que são exatamente
os médicos que mais impedem os nossos esforços. O espírito corporativista é
sempre inimigo até mesmo das inovações mais proveitosas. Basta lembrar a
lamentável atitude da classe médica quanto à anti-sepsia e sobretudo quanto ao
combate à febre puerperal! Sempre de novo devo constatar a ignorância crassa de
meus colegas mais próximos, os psiquiatras, no que se refere à psicologia e ao
tratamento das neuroses. Comparada com o nosso atraso europeu, ao menos a
medicina psicossomática faz notáveis progressos na América.
Seria portanto um ato
de grande importância se o florescente Instituto de Stuttgart pudesse continuar
existindo (4).
Na esperança de que o
senhor, Exmo. Ministro, não leve a mal a expressão de meu ponto de vista,
subscrevo-me com elevada consideração. C. G. Jung.
(1) Durante
os ano de 1933-1945, Dr. Kaufmann retirou-se da política e trabalhou como
livreiro. Morreu em 1953.
(2) Um
médico não vai contra outro médico.
(3) O
Instituto de Stuttgart existe ainda hoje e desempenha papel importante
sobretudo na formação de analistas e psicoterapeutas.
Referência
Bibliográfica:
JUNG, C. G. Cartas:
1946-1955. Vol. 2. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 149-150.
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