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To Father Victor White


Oxford, primavera de 1952 (1)

pro tempore Locarno, Parkhotel

 

Dear Victor,

Muito obrigado pelas separatas! O senhor esteve certamente muito ocupado. Li todas e acho especialmente boa aquela sobre “The ding God” (2). O ensaio sobre Freud (3) é perspicaz e bem imparcial. Sua meditação sobre a via-sacra nada contém que eu não possa subscrever. É psicologicamente “correta”. Isto é um cumprimento sincero. Estes artigos constarão do livro que pretende escrever? (4)

Espero que tenha recebido o meu livro Resposta a Jó (5). Tive um tempo atribulado no mês de março por causa de uma gripe, da qual me recupero lentamente. Viajei para cá a fim de descansar. Apesar do sol, o ar ainda está bem frio e com muito vento. Terminei o último capítulo, tão temido, de meu Mysterim Coniunctionis (6). Ele me derrubou, e minha cabeça está cansada. Bem, estou chegando aos 78 anos de idade, e queixar-se é inútil. Meu próximo objetivo será uma contemplação minuciosa da vida espiritual de lagartos e de outros animais de sangue frio. Mas o mundo não me deixa em paz tão facilmente. Depois desta carta devo escrever outra a um teólogo protestante sobre compreensão e fé. Infelizmente só posso conceber a crença religiosa como uma violação de minha consciência do eu, caso contrário nunca saberia se estou crendo em alguma coisa. Se a fé não chegar a mim como um choque, ela não me convencerá. Não sei se alguém vai gostar de minha opinião ou não.

O curador do Museu da Ciência em Oxford enviou-me uma série bem longa de sonhos que ele desenterrou dos manuscritos de Elias Ashmole, o editor do Theatrum Chemicum Britannicum, 1646 (?) (7). Os sonhos cobrem um período de 55 anos e contêm a notável história de uma invasão de conteúdos inconscientes, visando a uma coniunctio com o inconsciente. A tentativa fracassa, isto é, é suplantada por um retorno da consciência masculina anterior e unilateral. É um paralelo inconsciente de Fausto. A tentativa culmina num símbolo do si-mesmo: paraíso no pólo norte, 4 fontes e numa colina a capela de Nossa Senhora. A série começa com Vênus na nona casa = sapientia. Termina com morte, fraude e homicídio. Belo exemplo de uma individuação que não prosperou.

Espero vê-lo de novo no verão!

Yours cordially, C. G.

 

(1) Não há data na carta, mas deve ter sido escrita entre de 09.04.1952. “?Spring, 1952” foi acrescentado à mão por Victor White.

(2) Um artigo intitulado “The Dying God”, incluído como capítulo VIII no livro de Victor White, God and the Unconscious.

(3) Incorporado como capítulo III no mesmo livro, com o título “Freud, Jung and God”.

(4) God and the Unconscious, 1952.

(5) O padre White acusou o recebimento de Resposta a Jó, numa carta de 5 de abril. Entre outras coisas, diz: “(it is) the most exciting and moving book I have read in years: and somehow it arouses tremendous bonds of sympathy between us, and lights up all sorts of dark places both in the Scriptures and in my own psyche...” Esta primeira reação é notável num teólogo, mas é trágica em vista da crítica dura que ele fez mais tarde ao livro. Cf. carta a White, de 02.04.1955, nota 1.

(6) Capítulo VI, “A conjunção”.

(7) Cf. carta a Josten, de 06.04.1952, nota 13.

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