Oxford, 09-14 de abril de
1952.
Parkhotel Locarno
Dear Victor,
Muito obrigado por sua
carta tão humana (1). Ela me dá uma ideia do que vai no seu interior.
A “privatio boni” não me
parece especialmente problemática, mas entendo que ela é da maior importância. Talvez
seja melhor que eu continue expondo o meu ponto de vista, para que o senhor
saiba como eu vejo a questão. Procurei, ao mesmo tempo, levar em consideração também
o seu ponto de vista.
Penso que o senhor
concorda comigo que, dentro de nosso mundo empírico, o bem e o mal representam
as partes indispensáveis de um julgamento lógico, assim como branco e preto,
direito e esquerdo, em cima e embaixo, etc. São equivalentes de oposição, e
entende-se que sempre se referem à situação de quem faz a afirmação, uma pessoa
ou uma lei. Empiricamente são incapazes de confirmar a existência de qualquer
coisa absoluta, isto é, não há meios lógicos para estabelecer uma verdade
absoluta, com exceção de uma tautologia.
E assim mesmo somos levados (por motivos arquetípicos) a fazer tais afirmações; entre as quais asserções
religiosas ou metafísicas como Trindade, o nascimento virginal e outras coisas
muito improváveis e fisicamente impossíveis. Uma dessas afirmações é o summum bonum (2) e sua consequência, a privatio boni. Esta é logicamente tão
impossível quanto a Trindade. Por isso é uma afirmação tipicamente religiosa: prorsus credibile quia ineptum (3). Graça
divina e mal ou perigo demoníacos são arquetípicos. Mesmo sabendo que nosso
julgamento é completamente subjetivo e relativo, somos forçados a fazer tais afirmações
mais de uma dúzia de vezes por dia. E quando somos religiosos, falamos em
termos de impossibilidades. Eu não tenho argumentos contra esses fatos. Apenas nego
que a privatio boni seja uma afirmação
lógica, mas admito a verdade óbvia de que seja uma verdade “metafísica”,
baseada em “motivo” arquetípico.
Simplesmente não sabemos
como os opostos estão reconciliados ou unidos em Deus. Também não entendemos
como estão unidos no si-mesmo. O si-mesmo é transcendental e só parcialmente
consciente. Empiricamente ele é bom e mau. Assim como os “atos de Deus” tem
indiscutivelmente aspectos contraditórios. Mas este fato não justifica o
julgamento teológico de que Deus seja bom ou mau. Ele é transcendental, assim
como o si-mesmo, e por isso não está sujeito à lógica humana.
Pressupõe-se que os
poderes supremos sejam diferentes ou, mais frequentemente, que sejam bons e não
maus. Há um acento arquetípico sobre o aspecto bom, mas apenas de leve. Isto é
compreensível, pois há necessidade de certo equilíbrio, caso contrário o mundo
não poderia existir.
A grande dificuldade
parece estar no fato de que precisamos, por um lado, defender a sanidade e a
lógica da mente humana e, por outro lado, temos de aceitar e bendizer a
existência de fatores ilógicos e irracionais que transcendem a nossa
compreensão. Temos de tratar deles tão racionalmente quanto possível, mesmo que
não haja esperança de compreendê-los. Uma vez que não podemos abordá-los
racionalmente, devemos formulá-los simbolicamente. Tomado literalmente, um
símbolo é quase sempre impossível. Diria, por isso, que a privatio boni é uma verdade simbólica, baseada em motivação
arquetípica, não podendo ser defendida racionalmente, assim como o nascimento
virginal.
Desculpe minha letra
horrível. Estou no jardim, e aqui não há mesa, apenas os meus joelhos. Não há
necessidade de resposta. Tentarei ajuda-lo o máximo que puder.
Yours, C. G.
(1) Cf.
a carta precedente a White (primavera de 1952), nota 5. Na carta mencionada por
Jung (05.04.1952), o padre White havia manifestado o desejo de encontrar uma
base comum para o problema da “privatio boni”: which must affect one’s
value-judgments on almost everything (alchemy, gnosticism, Christ and
anti-Christ, the Second Coming, the whole orientation of psychotherapy), without
there being any dispute about the facts”.
(2) Segundo
Jung, a concepção de Deus como summum
bonum é “a razão e origem do conceito da privatio boni, um conceito que destrói a realidade do mal...” Aion (OC, vol. IX), par. 80. Para o
desenvolvimento histórico de ambos os conceitos, cf. ibidem, par. 74s.
(3) Cf.
carta a Wegmann, de 20.11.1945, nota 2.
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