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To Upton Sinclair

 


To Upton Sinclair,

Corona (Calif.) EUA, 24 de novembro de 1952.

 

Dear Mr. Sinclair,

Muito obrigado por ter recebido e aceito tão bem a minha carta com minha atitude aparentemente crítica (1). Não sou muito feliz no uso da língua inglesa, por tenho a impressão  de causar muitos mal-entendidos. Gostaria, portanto, de deixar bem claro que não só valorizo plenamente o retrato magistral que faz de um Jesus pessoal, mas também a louvável tendência de seu livro: o senhor mostra a um mundo apático a possibilidade de uma abordagem pessoal de uma figura religiosa altamente discutível. É evidente que minha carta lhe deu ensejo para analisar a condição mental de seu perpetrador (2). Segundo a regra geral de que não se analisa ninguém sem antes conhecer as suas associações (se elas realmente existirem), gostaria de ajudar em sua tentativa analítica e dar-lhe algumas informações a mais: Eu tenho certa imagem de um Jesus pessoal. Foi-me sugerida imprecisamente através de certos dados do Novo Testamento. Mas a impressão mais forte me veio do Linceul de Turin, o Santo Sudário (3). Sua fisionomia austera e augusta confirmou minhas suposições anteriormente vagas. Estou, de fato, profundamente impressionado com a superioridade dessa personalidade extraordinária, a ponto de não ousar reconstruir sua psicologia. Não tenho certeza se minha capacidade mental estaria à altura dessa tarefa. Eis a razão por que devo me abster de uma tentativa biográfica dele.

O senhor tem razão em dizer que o mundo deveria esperar algo mais positivo de mim do que simples crítica. Na verdade, publiquei (desde 1948) tudo o que julguei defensável sobre o fenômeno documentado Cristo e sua reconstrução psicológica. Há três ensaios:

1.“Tentativa de uma interpretação psicológica do dogma da Trindade”, 1948 –(OC, Vol. 11).

2.Aion: Estudos sobre o simbolismo do si-mesmo, 1951 – (OC, Vol. 9/2).

3.Resposta a Jó, 1952 – (OC, vol. 11).

Na maioria das vezes, as pessoas não entendem o meu ponto de vista. Eu pesquiso fenômenos psíquicos e não me interesso por questões ingênuas, em geral irrespondíveis, se uma coisa é histórica, isto é, concreta, verdadeira ou não. Basta que tenha sido dita ou acreditada. Provavelmente a maior parte da história é feita de opiniões, cujos motivos são bastante questionáveis em vista dos fatos; em outras palavras: na história a psique desempenha papel tao importante quanto desconhecido.

Ao estudar Cristo, meu ponto de partida é em primeiro lugar o Corpus Christianum que consiste exclusivamente de escritos canônicos. Dessa fonte aprendemos não só sobre um Jesus pessoal e racional, mas também e principalmente sobre um Cristo escatológico. Eu uso (como outros) o termo “escatologia” no sentido mais amplo (isto é, não só com vistas à parusia), como igualdade com Deus, filiação, missão messiânica, identidade com o anthropos (Filho do Homem), como Cristo ressuscitado e glorificado, o kurioz twn aggelwn kai daimonwn (4) iudex vivorum et mortuorum (5), sem esquecer o logoz preexistente.

Este aspecto irracional é inseparável da figura evangélica de Cristo.

Em segundo lugar, na investigação dos efeitos históricos de Cristo, devo levar em consideração não apenas os dogmas da Igreja, mas os gnósticos e hereges tardios e inclusive a alquimia da alta Idade Média.

Não admira que as pessoas não entendam tudo isso. A dificuldade está em que estão presas ainda na questão imbecil de saber se uma afirmação metafísica é verdadeira ou não, ou se um mitologema se refere a um fato histórico ou não. Elas não veem e não querem ver o que a psique pode fazer. Mas aí está infelizmente a chave.

Agradeço muito ter-me deixado ler a carta altamente elogiosa do professor Einstein (sobre o meu livro). Estou impressionado e sinto-me bem pequeno.

Yours very truly, C. G. Jung

 

P.S. Ter-lhe-ia enviado com muito prazer exemplars de meus livros, mas nao estão traduzidos.

 

(1)Cf. carta a Sinclair, de 03 de novembro de 1952. Sinclair respondeu em 15 de novembro de 1962. Ele colocou em dúvida a justificativa da afirmação crítica de Jung de que a apresentação de Jesus em seu livro A Personal Jesus era “a bit too selective”. Devido à insuficiência dos testemunhos históricos, cada qual seria forçado a fazer para si uma imagem de Jesus. Também o título de seu livro dizia que se tratava de seu Jesus: “I offer you mine, and I invite you in return to give me yours...”.

(2)Upton Sinclair havia escrito: “I am going to be very presumptuous and psychoanalyse one of the world’s great psuchoanalysts. I suspect that your willingness to write such a long letter is a confession of guilt because you yourself have not written the book on this subject. As a cure I prescribe that you should write it…”.

(3)Trata-se de uma mortalha de linho em que teria estado envolto o cadáver de Cristo. Os traços que nele aparecem são explicados como uma impressão surgida naturalmente do corpo e da face de Cristo. O lençol está guardado na catedral São João Batista de Turim. Sua autenticidade é discutida, mas também não se provou sua inautenticidade. No escritório de Jung está dependurada, atrás de uma cortina, uma cópia da cabeça que se vê na mortalha.

(4)Senhor dos anjos e demônios.

(5)Juiz dos vivos e dos mortos.

 

 

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