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Ao Dr. Josef Rudin

 

Ao Dr. Josef Rudin (1)

Zurique, 14 de março de 1953.

 

Prezado Doutor!

Devo-lhe meu agradecimento pelo gentil envio de seu ensaio sobre Jó (2). Na polaridade divina, trata-se psicologicamente de uma oppositio e não de contradictio (3), e por isso Nicolau de Cusa fala de “opposita”. A não-reciprocidade da relação homem-Deus é uma doutrina difícil (4). As criaturas seriam então coisas, mas não indivíduos livres, e qual seria o motivo para a encarnação se o destino da humanidade não afetasse a Deus? Também nunca se ouviu dizer que uma ponte levasse apenas a um lado do rio. A ideia original não é que o homem não pode exercer nenhuma compulsão sobre Deus? Mas que, por exemplo, a oração das pessoas pode chegar a Deus? E que pela encarnação Deus tornou-se muito mais acessível?

Desculpe, por favor, estas perguntas ingênuas. Não precisam de resposta.

Com elevada consideração, G. G. Jung.

 

(1)Prof. Dr. Phil. Josef Rudin, psicoterapeuta, professor no Instituto de Psicologia Aplicada da Universidade de Friburgo; professor honorário da Universidade de Innsbruck. Obras, entre outras: Phychotherapie und Religion, 2ª. Ed, Olten 1963; Fanatismus, Olten, 1965; “Das Schuldproblem in der Psychologie com C. G. Jung”, em Westgespräch, n. 6, Friburgo 1968.

(2)J. Rudin, “Antwort auf Hiob”, zum gleichnamigen Buch von C. G. Jung”, em Orietierung, Zurique 28 de fevereiro de 1953.

(3)Dr. Rudin havia proposto em sua carta (26 de fevereiro de 1953) procurar uma solução ao problema do mal e do “duplo aspecto de Deus” com base na distinção escolástica entre “oppositio” e “contradictio”, “atribuindo a Deus a tensão interna da “oppositio” de diversos atributos (no sentido da “complexio oppositorum”), mas não qualquer “contradictio”.

(4)Dr. Rudin havia chamado a atenção para a doutrina católica, segundo a qual era necessária a relação do homem com Deus, mas não deste com aquele.

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