Institut Franco-Iranien
Teerã/Irã, 04 de maio de 1953.
Cher Monsieur,
Recebi, há poucos dias, a separata de seu
ensaio sobre a “Sophia Eternelle” (2). Infelizmente não consigo expressar todos
os pensamentos e sentimentos que me ocorreram durante a leitura de sua admirável
exposição. Meu francês está por demais enferrujado para que possa formular com
precisao o que gostaria de lhe dizer. Seja como for, preciso dizer-lhe o quanto
me alegrei com seu trabalho. Foi uma alegria incomum e uma experiência muito
rara, única mesmo, ser entendido totalmente. Estou acostumado a viver num vácuo
intelectual mais ou menos completo, e meu Resposta
a Jó em nada colaborou para uma diminuição disto. Ao contrário, provocou
uma avalanche de preconceitos, malentendidos e sobretudo de tremendas bobagens.
Recebi centenas de críticas, mas nenhuma, nem de longe, chega perto de sua compreensão
clara e profunda.
A intuição do senhor é espantosa.
Schleiermacher é de fato um de meus ancestrais espirituais. Foi ele que batizou
o meu avô, católico de nascimento, que já era médico na época (3). Mais tarde
foi muito amigo do teólogo de Wette (4) que, por sua vez, tinha bom relacionamento
com Schleiermacher. O espírito aberto, esotérico e individual de Schleiermache
faz parte da atmosfera intelectual de minha família por parte de pai. Nunca estudei
as suas obras, mas inconscientemente ele foi o spiritus rector.
O senhor diz que leu o meu livro como um “oratório”.
O livro “me veio à mente” durante uma doença febril. Acompanham-no a grandiosa
música de um Bach ou de um Händel. Não sou do tipo auditivo. Por isso nada ouvi
realmente; tive apenas a sensação de assistir a uma grande sinfonia ou, melhor,
a um concerto. Tudo era uma aventura que me arrebatou, e eu me apressei em
escrevê-la.
Devo lembrar ainda que de Wette tinha a
tendência de “mitificar” (como ele dizia) os relatos “maravilhosos” (isto é,
chocantes) da Bíblia. Assim conservava o seu valor simbólico. Este foi
precisamente o meu empenho, não só com referência à Bíblia mas também com
referência às más ações de nossos sonhos.
Não sei como expressar-lhe minha gratidão,
mas preciso dizer-lhe mais uma vez que apreciei muitíssimo sua benevolência e
sua compreensão única.
Minha recomendações à Madame Corbin. O
caviar não ficou esquecido.
Veuillez agréer, cher Monsieur, l’expression
de mes sentiments reconnaissants, C. G. Jung
(1)Henri Corbin, professor de religião islâmica
na École des Hautes Études, Sorbonne, Paris. Diretor do Departamento de
Iranologia do Instituto Franco-Iraniano de Teerã. Frequente conferencista nas reuniões
Eranos.
(2)Corbin, “La Sophia Eternelle”, La Revue
de Culture Eurpéemme, III. 5, Paris, 1953.
(3)Sobre o avô de Jung, Carl Gustav Jung,
1794-1864, cf. “Dados sobre a família de C. G. Jung”, em Memórias, p. 342.
(4)Wilhelm de Wette, 1780-1849, teólogo. Em
1819, teve de abandonar o professorado em Berlim, devido a suas ideias
políticas avançadas; em 1822, tornou-se professor de teologia na Universidade da
Basileia.
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