Avançar para o conteúdo principal

À Aniela Jaffé


Zurique, Bollingen, 16 de setembro de 1953.

 

Querida Aniela!

Perdoe-me por responder só agora à sua última carta. Estive sobrecarregado com a leitura de provas de meus livros e com a correspondência. Além disso chegaram as provas inglesas de “Sincronicidade”, com a porção de perguntas sobre a terminologia. Tenho no mínimo um trabalho de escrever durante 3 horas em 4 dias da semana. Isto é aproximadamente o máximo que posso produzir sem ter que pagar o excesso com sono perturbado e sintomas cardíacos. (...)

Tenho aqui 5 manuscritos para ler e uma porção de coisas menores para cuidar dentro e ao redor da casa. Tudo vai devagar e eu preciso cuidar-me, pois meu desempenho cardíaco é ainda arrítmico. Em geral estou melhor, pois consigo novamente dormir bem. Felizmente o tempo aqui esteve muito favorável nas últimas semanas.

Com as montanhas, nem pensar. Para mim é tudo complicado. Posso caminhar, no máximo, durante quinze minutos, e com isso não se chega a lugar nenhum.

Vejo, para espanto meu, que só falei de mim. Perdoe-me, por gentileza, este egoísmo senil. O septuagésimo nono ano é 80-1, e isto é um terminus a quo (o termo a partir do qual) que só se pode levar a sério. O provisório da existência é indescritível. Tudo o que fazemos – se observamos uma nuvem ou cozinhamos uma sopa – nós o fazemos no limiar da eternidade e é seguido pelo sufixo da infinitude. É significativo e ao mesmo tempo fútil. E assim somos nós também: um centro singularmente vivo e ao mesmo tempo um momento que já passou. Somos e não somos. Este estado de espírito me confunde e me limita. Só com muito esforço consigo ver mais longe, para dentro de um mundo quase subsistente em si mesmo e que mal posso alcançar ou que me deixa para trás. Tudo está correto, pois não tenho forças para mudá-lo. Este é o débâcle (fiasco) da velhice – “je sais bien qu’a la fin vous me mettrez à bas” (“Eu sei muito bem que no final você vai me derrubar”).

Cordialmente seu, C. G.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Aniela Jaffé (Zurique)

Carta à Aniela Jaffé (Zurique) “Bollingen,  12 de abril de 1949. Prezada Aniela, (...) Sua carta chegou num período de reflexões difíceis. Infelizmente nada lhe posso falar a respeito. Seria demais. Também eu ainda não cheguei ao final do caminho do sofrimento. Trata-se de compreensões difíceis e penosas (1). Após longo vagar no escuro, surgiram luzes mais claras, mas não sei o que significam. Seja como for, sei por que e para que preciso da solidão de Bollingen. É mais necessária do que nunca. (...)            Eu a parabenizo pela conclusão de “Séraphita” (2). Ainda que não tivesse aproveitado em nada a Balzac desviar-se do si-mesmo, gostaríamos de poder fazê-lo também. Sei que haveríamos que pagar mais caro por isso. Gostaríamos de ter um Javé Sabaoth como kurioz twn daimonwn (3). Compreendo sempre mais porque quase morri e vejo-me forçado a desejar que assim tivesse sido. O cálice é amargo. Saudações cordiai...

To Dr. Edward A. Bennet

  To Dr. Edward A. Bennet, (1) Londres, 21 de novembro de 1953.   My dear Bennet, Muito obrigado pelo gentil envio do livro de Jones sobre Freud. O incidente à página 348 é correto, mas as circunstâncias em que ocorreu estão desvirtuadas (2). Trata-se de uma discussão sobre Amenófis IV: o fato de ele ter raspado dos monumentos o nome de seu pai e colocado o seu próprio; segundo modelo consagrado, isto se explica como um complexo negativo de pai e, devido a ele, tudo o que Amenófis criou – sua arte, religião e poesia – nada mais foi do que resistência contra o pai. Não havia notícias de que outros faraós tivessem feito o mesmo. Mas esta maneira desfavorável de julgar Amenófis IV me irritou e eu me expressei de maneira bastante vigorosa. Esta foi a causa imediata do desmaio de Freud. Ninguém nunca me perguntou como as coisas realmente aconteceram; em vez disso faz-se apenas uma apresentação unilateral e deformada de minha relação com ele. Percebo, com grande interesse, q...

To Dr. Michael Fordham (1)

Londres, 18 de junho de 1954.   Dear Fordham, Sua carta traz más notícias; senti muito que não tenha conseguido o posto no Instituto de Psiquiatria (2), ainda que seja um pequeno consolo para o senhor que tenham escolhido ao menos um de seus discípulos, o Dr. Hobson (3). Depois de tudo, o senhor se aproxima da idade em que a gente deve familiarizar-se com a dolorosa experiência de ser superado. O tempo passa e inexoravelmente somos deixados para trás, às vezes mais e às vezes menos; e temos de reconhecer que há coisas além de nosso alcance que não deveríamos lamentar, pois esta lamentação é um remanescente de uma ambição por demais jovem. Nossa libido continuará certamente querendo agarrar as estrelas, se o destino não tornasse claro, além de qualquer dúvida razoável, que devemos procurar a perfeição dentro e não fora... infelizmente! Sabemos que há muito a melhorar no interior da pessoa, de modo que devemos agradecer à adversidade quando ela nos ajuda a reunir a energia ...