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To Carleton Smith

 

To Carleton Smith (1)

Director, National Arts Foundation, Inc.

c/o American Embassy/Berna, 09 de setembro de 1953.

 

Dear Sir,

É muita gentileza sua convidar-me para conselheiro da National Arts Foudation.

Seu plano de estabelecer prêmios no âmbito da atividade humana não coberta pelo prêmio Nobel é de fato uma bela ideia. Uma vez que o prêmio Nobel só considera as descobertas ou méritos no campo das ciências naturais e da medicina (com exceção do “prêmio da paz” político) (2), o bem-estar psíquico e espiritual foi completamente relegado. A paz interior da pessoa, seu equilíbrio mental e inclusive sua saúde dependem em grande parte de fatores mentais e espirituais que não podem ser substituídos por condições físicas. Se a saúde psíquica e a felicidade dependessem de uma boa alimentação e de outras condições físicas de vida, então todas as pessoas ricas seriam saudáveis e felizes, e todas as pessoas pobres seriam mentalmente desequilibradas, fisicamente doentes e infelizes. Mas não é o que acontece.

Os grandes perigos que ameaçam a vida de milhões não são fatores físicos, mas esquemas alucinantes e diabólicos que causam epidemia mental nas massas psiquicamente indefesas. Não há comparação entre a pior doença ou a maior catástrofe da natureza (tremores de terra, enchentes e epidemias) e aquilo que o homem pode fazer a outro homem hoje em dia.

Um prêmio deveria ser dado às pessoas que suprimem eficazmente a irrupção da loucura política ou do pânico (Churchill!), ou que promovem grandes ideias para alargar o horizonte mental e espiritual do homem. Deveriam ser premiadas as grandes descobertas relativas à origem do ser humano (paleontologia e arqueologia), à estrutura do universo (astronomia e astrofísica), ou à natureza da psique (por exemplo J. B. Rhine, por seus experimentos da percepção extra-sensorial).

O que o senhor precisa sobretudo são bons conselheiros, isto é, representantes dos mencionados campos de conhecimento e pesquisa, que não são apenas especialistas, mas que têm um horizonte amplo.

O grande problema é que as novas ideias raramente são reconhecidas pelos contemporâneos. A maioria deles combatem cegamente toda tentativa criativa em seu campo específico. Eles prosperam em coisas já conhecidas e, por isso, “seguras”. As Universidades são as piores sob este ponto de vista. Mas é possível encontrar pessoas independentes e inteligentes também entre os professores.

A melhor coisa que o senhor poderia fazer seria viajar e conversar com os principais representantes dos departamentos de história, arqueologia, filologia (teologia?), psicologia, biologia, religião comparada, etnologia (antropologia), política e sociologia. Não menciono a filosofia, pois sua tendência moderna já não inclui uma forma correspondente de vida e por isso só consiste de palavras.

Albert Schweitzer teria merecido um prêmio por seu livro corajoso e de suma importância sobre a pesquisa da biografia de Jesus (3), mas não por causa de suas proezas africanas, que qualquer médico modesto poderia ter vivido sem ser considerado santo. É simples fuga do problema chamado Europa.

Esta é uma carta não oficial que lhe dá minhas ideias e opiniões sobre o seu grande empreendimento (4).

Desejo-lhe tudo de bom!

Sincerely yours, C. G. Jung

 

(1) Carleton Smith, escritor americano, fundador e presidente da “National Arts Foundation”, Nova Iorque.

(2) Jung não se lembrou do prêmio Nobel de literatura.

(3) Albert Schweitzer, Von Reimarus zu Wrede; eine Geschichte der Leben-Jesu-Forschung, 1906.

(4) Nunca chegou a distribuir prêmios.

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