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To Prof. J. B. Rhine

 

To Prof. J. B. Rhine

Duke University

Durham (N. C.)/EUA, 25 de setembro de 1953.

 

Dear Dr. Rhine,

Lamento estar atrasado com a resposta à sua carta (1). Já não tenho a mesma eficiência. Tudo precisa de seu tempo, normalmente um longo tempo.

Não tenho certeza se posso reunir todas as minhas reminiscências sobre os acontecimentos parapsicológicos. Foram muitas. A reunião dessas histórias não me parece proveitosa. A coletânea de Gurney, Myers e Podemore (2) trouxe poucos resultados. As pessoas que sabem que existem tais coisas não precisam de confirmação ulterior, e as pessoas que não querem saber estão livres – como estiveram até hoje – para dizer que lhes contamos histórias de fadas. Encontrei tanta resistência desencorajadora que estou fartamente convencido da estupidez do mundo erudito. A propos – o senhor provavelmente ouviu falar que um jovem matemático de Bruxelas, um tal de Mr. Brown (?). defendeu a seguinte opinião: se sua PES é fato, os fundamentos de seu cálculo de probabilidade devem estar errados, pois neste caso não se trata de genuínos grupamentos ou ´series de acasos (3). Até certa (pequena) medida, tudo parece em ordem. Não estou bem certo, mas isto não estaria mal para a minha concepção da sincronicidade.

O homem-mescalina no Canadá é o Dr. Smythies, do Queens Hospital em Londres (4). Ele é o autor dessa monstruosa hipótese de um universo dimensional, o tema de um simpósio no Proc. do SPR (5). Não consigo ver o que esta hipótese pode trazer de interessante para o estudo da PES.

Acho totalmente sem futuro tentar ligar a PES a qualquer psicologia personalista (6). Também acho que o fator emocional não tem nenhuma importância causal, isto é, etiológica. Como o senhor diz, e com razão, os fatores pessoais podem apenas atrapalhar ou ajudar, mas não causar. O aspecto mais importante da PES é que ela relativiza os fatores espacial e temporal. E isto vai muito além da psicologia. Se espaço e tempo forem psiquicamente relativos, então a matéria também o é (telecinese!); assim a causalidade seria apenas estatisticamente verdadeira, o que significa que há inúmeras exceções acausais, quod ert demonstrandum.

Como ninguém sabe o que é telepatia, precognição ou clarividência (a não ser que são nomes para grupos de acontecimentos mal definidos), poderíamos designá-las perfeitamente como x, y e z, isto é, três incógnitas que não conseguimos definir, ou seja, não conseguimos diferenciar x de y e de z, etc. Sua única característica óbvia é a de serem designações arbitrárias de um fator desconhecido. Pode até mesmo ser que x=y=z e provavelmente vale que principia explicandi praeter necessitatem non sunt multiplicanda!! (7). Mas parece que ninguém se dá conta desse gancho.

Esperando que esteja sempre com boa saúde,

Yours cordially, C. G. Jung.

 

(1)Numa carta de 24 de julho de 1953, Rhine propôs a Jung que ele reunisse suas experiências e observações parapsicológicas. Escreveu também sobre experimentos de PES sob o efeito da mescalina e na hipnose.

(2)E. Gurney, F. Myers, F. Podmore, Phantasms of the Living, 2 vol., Londres 1886. Uma coletânea de relatos, em grande parte comprovados, sobre fenômenos de fantasmas, “aparições”, premonições, etc.

(3)Cf. Spenser Brown, “De la recherce psychique considérée comme um test de la théorie des probabilités”, Revue métapsychique, Paris, maio-agosto 1954 e Probability and Scientific Inderence, Londres e Nova Iorque 1957. Já antes Brown havia escrito duas cartas à revista Nature, Londres, julho e setembro de 1953, afirmando que os cálculos estatísticos dos experimentos de PES de Rhine continham erros. Mas isto foi refutado pelos matemáticos S. G. Soal e F. Bateman no livro Modern Experiments in Telepathy, Londres 1954.

(4)Dr. Smythies era na época psiquiatra no Hospital Saskatshewan, Weyburn, Canadá. Cf. carta a Smythies, de 29 de fevereiro de 1952, nota 1.

(5)O tema do simpósio foi “On the Nature of Mind”. Publicado em Procceding of the Society for Psychical Research, Londre 1952.

(6)Da carta de Rhine: “psi functions (...) are not likely to be associated with personality characteristics or traits except as they are inhibited by the other operations of personality”.

(7)Cf. cart a Frischlenecht, de 07 de abril de 1945, nota 2.

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