Ao Pastor Dr. Willi Bremi
Basileia, 26 de dezembro de 1953.
Prezado Pastor,
Sei que as obrigações de um Pastor são
muitas e exigentes durante as festividades de fim de ano, por isso não esperava
uma resposta tão rápida e completa de sua parte (1). Não havia realmente pressa.
Foi muita gentileza sua esclarecer-me
sobre a importância subjetiva que A. Schweitzer representa para o senhor (2). A
virada que ele deu é deveras impressionante. Devo confessar que o niilismo
nunca foi problema para mim. Tenho bastante, e mais do que o bastante, com o
que existe na realidade. Por isso interessou-me no caso Schweitzer muito mais o
problema que sua crítica deixou para o leigo interessado na religião, isto é, a
autoridade relativizada da figura de Cristo. O que diz a teologia protestante
sobre isso?
Conheço a resposta de Bultmann (3). Ela
não me parece plausível. Karl Barth, assim como a Igreja Católica, pode não
levar em consideração este problema (e pelas mesmas razões).
Lendo sua exposição detalhada de
Kierkegaard, fiquei novamente chocado com a discrepância entre a contínua
conversa sobre o cumprimento da vontade de Deus e a realidade: quando Deus lhe
veio ao encontro na forma de “Regina” (4), ele fugiu. Para ele era terrível
demais ter de subordinar seu autocratismo ao amor de outra pessoa. No entanto,
K. viu algo bem essencial e ao mesmo tempo bem terrível: que a “paixão de Deus é
amar e ser amado”. Naturalmente foi esta qualidade que mais impressionou K.
Poderíamos atribuir a Deus ainda outras paixões, que são igualmente obvias e
que enfatizam ainda mais claramente seu caráter vétero-judaico, o que leva à
questão número 2: Javé é idêntico ao Deus do Novo Testamento?
Por favor, não se deixe pressionar por
minhas cartas. Ficarei satisfeito por uma resposta curta e eventual. Não é mera
curiosidade intelectual que me leva a estas questões. Fazem-me tantas perguntas
que eu aproveito toda ocasião propícia para me instruir melhor.
Com os melhores votos para o novo ano,
C. G. Jung.
(1)Confira a carta a Bremi, de 11.12.1953.
O pastor Bremi respondeu em 18.12.1953.
(2)Da carta de Bremi “Para mim (...)
Schweitzer tornou-se um ponto de referência porque, através das crises
psíquicas e espirituais, próprias da modernidade, encontrou e trilhou um
caminho que preservou a ele e outros do colapso espiritual diante do niilismo
concreto. (...) Para mim ele é um dos mais eminentes vencedores do niilismo”.
(3) A resposta de Bultmann consistia em
desprender a mensagem neotestamentária da imagem mítica do mundo
(desmitologização).
(4) Kierkegaard havia rompido de repente
seu noivado com Regine Olsen. Com a forma latinizada “Regina”, Jung se refere à
obra alquimista ou ao processo psicológico da individuação em que Rex (rei,
psicologicamente: o animus) e Regina (rainha, psicologicamente: a anima)
colaboram. Eles representam os aspectos polares da “pessoa interior” ou da
totalidade humana. Neste caso a denominação “Regina” significa também uma
promoção da anima de sedutora para guia. Confira para isso o capítulo “Rex e
Regina”, em Mysterium Coniunctionis, II.
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