Ao Dr. Erich Neumann
Tel Aviv/Israel, 30 de janeiro de 1954.
Prezado Neumann,
Muito obrigado por sua amável carta.
Estava escrevendo agora mesmo a Hull para inserir na edição inglesa de Symbole der Wandlung uma referência aos
trabalhos do senhor (1).
A passagem para o novo ano não transcorreu
sem algumas dificuldades: o fígado e os intestinos se revoltaram contra a
comida gordurosa do hotel de Locarno, o que, por outro lado, trouxe a vantagem
de eu ter uma semana e meia a mais de férias do que o previsto.
Já penetrei um bom pedaço em seu
“Kulturentwicklung” (2) e poderei continuar com a leitura assim que me livrar da
montanha de cartas, que se acumulou na minha ausência.
Eu retribuiria sem mais com a denominação
“gnóstico”, não fosse ela uma palavra injuriosa na boca de um teólogo. Eles me
acusam do mesmo erro que eles mesmos cometem, isto é, a desconsideração
presunçosa dos limites epistemológicos: quando um teólogo diz “Deus”, então
deverá ser Deus, e exatamente como o mágico quer, sem que este último se sinta
obrigado a esclarecer a si mesmo e a seu público qual o conceito (limitado) de
Deus como uma revelação especial. De que Deus fala, por exemplo, Buber? De
Javé? Com ou sem privatio boni? Se de
Javé, onde diz ele que este Deus não é certamente o Deus dos cristãos? Esta
maneira suja de fazer comércio sagrado eu a lanço em rosto dos teólogos de
todas as confissões. Eu não diria que minhas imagens “gnósticas” são uma
reprodução fiel e obrigatória do pano de fundo transcendental deles e que este
último seja esconjurado pelo fato de eu o mencionar. É evidente que Buber não
tem uma boa consciência, porque só publica as cartas dele (3), e não faz nenhuma referência gentil à minha pessoa, pois sou apenas um gnóstico, e ele não tem a
mínima ideia do que motivava o gnóstico.
Por enquanto os melhores votos e saudações
de C. G. Jung.
(1)Cf. Vol. V, p. 6: “In my later writings
I have concerned myself chiefly with the questiono of historical and
ethnological parallels, and here the researches of Erich Neumann have made a
massive contribuion towards solving the countless difficult problems that crop
up everwhere in this hitherto little explored territory. I would mention above
all his work, The Origns and History of
Consciousness, which carries forward the ideas that originally impelled me
to write this book, and places them in the broad perspective of the evolution
of human consciousness in general”.
(“Em meus escritos posteriores,
preocupei-me principalmente com a questão dos paralelos históricos e
etnológicos, e aqui as pesquisas de Erich Neumann deram uma contribuição enorme
para a solução dos inúmeros problemas difíceis que surgem por toda parte neste
território até então pouco explorado. Gostaria de mencionar sobretudo a sua
obra, As Origens e História da
Consciência, que leva adiante as ideias que originalmente me levaram a
escrever este livro, e as coloca na perspectiva ampla da evolução da
consciência humana em geral”.
(2) E. Neumann, Kulturentwichlung und Religion, Zurique, 1953. (Desenvolvimento
cultural e religião) - descrito em
seu trabalho As Origens e a História da Consciência.
(3) Cf. carta a White, de 30.04.1952, nota
5.
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