To E. L. Grant Watson
Northam, Devon/Inglaterra, 25 de janeiro
de 1954.
Dear Mr. Watson,
Seu sonho é notável (1). O sonho com o
cavalo representa a união com a alma animal, de que o senhor sente falta há
muito tempo. A união produz um estado peculiar da mente, isto é, um pensamento
inconsciente que lhe permite perceber o progresso natural da mente em sua
esfera própria. O senhor pode considerar o sonho como um processo natural de
pensar no inconsciente ou como antecipação de uma vida mental após a morte (2).
(Isto é uma possibilidade, dado que a psique é, ao menos em parte, independente
do espaço e do tempo. Cf. os experimentos de Rhine com a PES). Os pés
significam “ponto de vista”; os hindus = ponto de vista oriental. O sonho
indica sua transmutação da perspectiva ocidental para a percepção oriental do
atmã = si-mesmo e sua identidade com o atmã universal. O senhor passa além do
ego para horizontes sempre mais amplos, onde o atmã revela gradualmente seu
aspecto universal. O senhor integra o seu animal, seus pais, todas as pessoas
que ama (todos vivem no senhor, e o senhor já não está separado deles). Este é
o segredo de João 17:20 e também a doutrina hindu essencial do atmã-purusha.
Nosso inconsciente prefere sem dúvida a interpretação hindu da imortalidade.
Ali não há solidão, mas totalidade ou integridade que aumenta em grau infinito.
Estes sonhos ocorrem no portão de entrada
da morte. Eles interpretam o mistério da morte. Eles não a predizem, mas
mostram-lhe a maneira correta de chegar perto do fim.
Yours sincerely, C. G. Jung.
(1)Mr. Watson enviou a Jung dois sonhos. O
primeiro era sobre um cavalo mágico que morrera numa batalha e cujas entranhas
o sonhador teve de carregar consigo por longos anos, até que o cavalo voltou à
vida, comeu as suas entranhas, e o sonhador pode montá-lo. O segundo sonho,
três ou quatro meses após, consistiu de várias cenas. A primeira ocorreu num
teatro. Quando subiu o pano, havia pessoas deitadas no palco – aparentemente
mortas. O sonhador foi deitar-se com elas. Ouviu então que elas conversavam
entre si, mas ele nada entendeu. Na cena seguinte, o sonhador é conduzido por
dois guias hindus através de um deserto. O caminhar lhe era cansativo, pois
tinha os pés de um velho. Chegaram a um lugar onde se realizou a sua iniciação:
profundos cortes foram feitos em seus pés, e ele teve de ficar em água
fervente. Após este procedimento divisou sua própria imagem como figura
idealizada num imenso espelho côncavo. Os guias lhe disseram que deveria continuar sozinho o seu caminho. Na longa jornada pelo deserto encontrou dois outros
guias hindus. Eles o acompanharam até um edifício, onde encontrou muitas
pessoas, inclusive seu pai, seu padrasto e sua mãe que lhe deu um beijo de
boas-vindas. Mas teve de prosseguir, e seu caminho terminou diante de um
precipício. Uma voz aconselhou-o a lançar-se para baixo. Ele recusou-se
desesperadamente, mas afinal obedeceu. Para sua surpresa, não caiu no abismo,
mas nada feliz para o azul da eternidade (“swimming deliciously into the blue
of eternity”).
(2)Cf. o capítulo “Sobre a vida depois da
morte”, em Memórias, p. 260.
Comentários
Enviar um comentário