Ao Dr. James Kirsch
Los Angeles (Calif.) EUA, 16 de fevereiro
de 1954.
Dear Kirsch,
(...)
Não acredito que os judeus devam aceitar o
símbolo de Cristo. Só precisam compreender o seu significado: Ao querer
transformar Javé num Deus moral do bem, Cristo separou os opostos (Satanás cai
do céu, Lucas 10.18) que estavam unidos nele (Deus), ainda que de modo
desarmônico e irrefletido; daí a suspensão entre os opostos na crucifixão. O
objetivo da reforma cristã (através de Cristo) foi eliminar as consequências
morais perniciosas, causadas pelo protótipo divino amoral. Não se pode ao mesmo
tempo “filtrar mosquitos e engolir camelos” (Mateus 23.24) ou “servir a dois
senhores” (Mateus 6.24), etc.
Esta diferenciação moral é um passo
imprescindível no caminho da individuação. Sem profundo conhecimento do “bem e
do mal”, do eu e da sombra, não existe conhecimento de si-mesmo, mas no máximo
uma identificação arbitrária e, por isso, perigosa com ele.
O judeu tem atrás de si praticamente o
mesmo desenvolvimento moral que o europeu cristão; por isso tem o mesmo
problema. Tanto quanto eu, ou talvez melhor ainda, pode um judeu reconhecer o
si-mesmo no par hostil de irmãos – Cristo-Satanás – e, com isso, a encarnação
ou assimilação de Javé aos homens. Por causa disso, o estado dos seres humanos
é modificado em grau máximo.
O judeu tem a vantagem de ter antecipado o
desenvolvimento da consciência humana já em sua história espiritual. Penso aqui
nos graus da cabala (de Isaak Lurja), na quebra dos vasos (1) e na ajuda das
pessoas na restauração. Aqui surge pela primeira vez a ideia de que o ser
humano precisa ajudar a Deus a reparar o prejuízo causado pela criação. Pela
primeira vez reconhece-se a responsabilidade cósmica do ser humano.
Naturalmente trata-se aqui do si-mesmo e não do eu, ainda que este último seja
gravemente afetado.
Seria isto que eu responderia a um judeu.
Saudações cordiais, C. G. Jung.
(1)Cf. carta a Kirsch, de 18 de novembro
de 1952, nota 7.
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