Avançar para o conteúdo principal

Ao Dr. E. Schwarz

Ao Dr. E. Schwarz,

Neustadt a. d. Weinstrasse/Alemanha, 02 de março de 1954.

 

Prezado doutor,

O conceito de finalidade parece-me um complemento lógico da causalidade e por isso sou de opinião de que apenas os dois aspectos perfazem o todo da causalidade.

Assim como a conexão causa-efeito é uma necessidade, também é uma necessidade a conexão entre a chamada causa final e o resultado. Sem necessidade não há causalidade nem finalidade, ainda que não poucos tratem hoje o conceito da causalidade de modo bem leviano.

A finalidade se manifesta no caráter teleológico de fenômenos biológicos; mas no campo do inorgânico eu não saberia dizer onde entra em consideração a finalidade. Os quatro aspectos da causalidade (1) possibilitam um conspecto causal homogêneo, mas não total. Para tanto parece-me necessário que a causalidade (em todos os seus aspectos) seja confrontada com uma acausalidade. Não simplesmente porque a liberdade também é garantida num mundo preso a leis, mas porque a liberdade, isto é, a acausalidade, existe. Mas para fazer semelhante afirmação é preciso ter um conceito “rigoroso” de causalidade e usar a expressão “causalidade” apenas quando se trata realmente de conexões necessárias; e usar o conceito “acausalidade” só quando for inconcebível uma conexão causal como, por exemplo, no hysteron-proteron, isto é, quando um acontecimento presente parece ser causado por um acontecimento futuro.

Quanto à sua pergunta referente à fé (2), devo salientar que existem aparentemente duas realidades: uma objetiva e a outra subjetiva, e isto devido ao fato de que a realidade objetiva pode ser estabelecida como não psíquica, ao passo que a realidade psíquica não pode ser estabelecida como sendo objetiva no mesmo sentido. Mas isto se deve em primeiro lugar à premissa irrevogável de que a percepção e o julgamento são psíquicos e que consequentemente não se pode voar sobre a própria cabeça. No entanto, o psíquico pode ser constatado como real através de afirmações codificadas ou através de sintomas objetivamente verificáveis.

Na esperança de ter respondido às suas perguntas,

Subscrevo-me com elevada consideração. (C. G. Jung).

 

(1)Jung refere-se ao escrito de Schopenhauer, Über die vierfach Wurzel des Satzes vom zureichenden Grunde, 1813. Vol. 11, § 246.

(2)Em vista das afirmações contidas em Resposta a Jó, Dr. Schwarz perguntou sobre a fé de Jung.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

To Dr. Edward A. Bennet

  To Dr. Edward A. Bennet, (1) Londres, 21 de novembro de 1953.   My dear Bennet, Muito obrigado pelo gentil envio do livro de Jones sobre Freud. O incidente à página 348 é correto, mas as circunstâncias em que ocorreu estão desvirtuadas (2). Trata-se de uma discussão sobre Amenófis IV: o fato de ele ter raspado dos monumentos o nome de seu pai e colocado o seu próprio; segundo modelo consagrado, isto se explica como um complexo negativo de pai e, devido a ele, tudo o que Amenófis criou – sua arte, religião e poesia – nada mais foi do que resistência contra o pai. Não havia notícias de que outros faraós tivessem feito o mesmo. Mas esta maneira desfavorável de julgar Amenófis IV me irritou e eu me expressei de maneira bastante vigorosa. Esta foi a causa imediata do desmaio de Freud. Ninguém nunca me perguntou como as coisas realmente aconteceram; em vez disso faz-se apenas uma apresentação unilateral e deformada de minha relação com ele. Percebo, com grande interesse, que a Roya

Aniela Jaffé (Zurique)

Carta à Aniela Jaffé (Zurique) “Bollingen,  12 de abril de 1949. Prezada Aniela, (...) Sua carta chegou num período de reflexões difíceis. Infelizmente nada lhe posso falar a respeito. Seria demais. Também eu ainda não cheguei ao final do caminho do sofrimento. Trata-se de compreensões difíceis e penosas (1). Após longo vagar no escuro, surgiram luzes mais claras, mas não sei o que significam. Seja como for, sei por que e para que preciso da solidão de Bollingen. É mais necessária do que nunca. (...)            Eu a parabenizo pela conclusão de “Séraphita” (2). Ainda que não tivesse aproveitado em nada a Balzac desviar-se do si-mesmo, gostaríamos de poder fazê-lo também. Sei que haveríamos que pagar mais caro por isso. Gostaríamos de ter um Javé Sabaoth como kurioz twn daimonwn (3). Compreendo sempre mais porque quase morri e vejo-me forçado a desejar que assim tivesse sido. O cálice é amargo. Saudações cordiais, C. G.” (1)Jung trabalhava na época no livro Aion

To Dr. Michael Fordham (1)

Londres, 18 de junho de 1954.   Dear Fordham, Sua carta traz más notícias; senti muito que não tenha conseguido o posto no Instituto de Psiquiatria (2), ainda que seja um pequeno consolo para o senhor que tenham escolhido ao menos um de seus discípulos, o Dr. Hobson (3). Depois de tudo, o senhor se aproxima da idade em que a gente deve familiarizar-se com a dolorosa experiência de ser superado. O tempo passa e inexoravelmente somos deixados para trás, às vezes mais e às vezes menos; e temos de reconhecer que há coisas além de nosso alcance que não deveríamos lamentar, pois esta lamentação é um remanescente de uma ambição por demais jovem. Nossa libido continuará certamente querendo agarrar as estrelas, se o destino não tornasse claro, além de qualquer dúvida razoável, que devemos procurar a perfeição dentro e não fora... infelizmente! Sabemos que há muito a melhorar no interior da pessoa, de modo que devemos agradecer à adversidade quando ela nos ajuda a reunir a energia livr