To Dr. D. Cappon (1)
Toronto/Canadá, 15 de março de 1954.
Dear Doctor Cappon,
Quanto à sua pergunta sobre o substrato
físico de fatos mentais como os arquétipos, este é um problema que dificilmente
ouso abordar. Ele leva a toda espécie de especulações estranhas, e é exatamente
isto que procuro evitar. Se dissermos que dependem dos genes, podemos não estar
errados. Tudo depende deles.
A mesma pergunta se coloca no caso dos
instintos. onde estão localizados? No caso dos vertebrados poderíamos dizer que
se baseiam no cérebro e em seus anexos, mas onde estão localizados num inseto
que não tem cérebro? Pelo visto, no sistema nervoso simpático. Pode-se
igualmente supor que um padrão instintivo, idêntico ao arquétipo, esteja
baseado em nosso sistema simpático. Mas tudo isto é mitologia, bastante difícil
de provar do ponto de vista epistemológico e tão inadmissível quanto aquelas
ridículas fantasias sobre experiências psicológicas intrauterinas.
Estou convencido de que nossa mente
corresponde à vida fisiológica do corpo, mas a maneira em que está conectada
com o corpo é incompreensível por razões óbvias. Especular sobre essas coisas
incompreensíveis é mera perda de tempo. Querendo ser bem exato, ambas as
afirmações, isto é, que a psique se baseia num processo orgânico do corpo ou
que a psique é independente do corpo são irrespondíveis. A questão da
localização do cérebro é extremamente delicada, pois ao se destruir certa parte
do cérebro, destrói-se certa função. Contudo não se sabe se houve realmente a
destruição da função, pois é bem possível que tenha havido apenas a destruição
do transmissor dessa função – como, por exemplo, tirar o aparelho do telefone
não significa eliminar a linha telefônica. Não há certeza absoluta se a psique
depende do cérebro; conhecemos fatos que provam que a mente pode relativizar
espaço e tempo, conforme demonstrado pelos experimentos de Rhine e pela
experiência em geral. Eu já disse que os arquétipos são as representações
psicológicas de padrões instintivos e se comportam exatamente como tais. Como
entram num indivíduo os instintos? Os instintos foram herdados desde tempos
imemoriais e se desenvolveram supostamente com as diferentes espécies. Por isso
datam de milhões de anos na maioria dos casos. Também com relação aos instintos
é questionável se eles continuam a existir quando foi destruído seu
transmissor, isto é, se eles mesmos foram mortos.
É claro que não há necessidade alguma de
desvelar os arquétipos em todo tratamento da neurose. É possível obter êxito
com muito menos, mas também é verdade que às vezes não está em nossas mãos
decidir se vamos entrar nos arquétipos ou não, uma vez que eles surgem por si
mesmos e às vezes com tal veemência que a gente não gostaria. Eu nunca procuro
os arquétipos e não tento encontrá-los; é suficiente quando eles vêm por si
mesmos. Isto acontece quase regularmente quando a análise dura muito e quando
se trata de uma pessoa de espírito vivaz.
1)(2) Não há motivo para levar o paciente
a entender o material arquetípico, uma vez que ainda não tomou conhecimento de
seus complexos pessoais e sobretudo da natureza de sua sombra.
2) O paciente pode ser praticamente curado
sem nunca ter ouvido falar de arquétipo.
3) Já houve cura de neuroses da maneira
mais espantosa muito antes de nossa psicologia moderna. Quando não há meios
técnicos à disposição, é a sinceridade da atitude do médico e sua presteza em
ajudar que restauram a totalidade danificada do paciente; mas se houver um
refreamento de um conhecimento técnico melhor, então o menos bom nunca chega a
um resultado positivo. A atitude terapêutica de êxito sempre pressupõe que a
gente faça realmente o melhor, não importando o quanto isto seja bom ou ruim em
si mesmo, ou qual a técnica que se emprega. É necessário apenas que se tenha a
certeza de estar fazer o melhor que se sabe.
Eu não me preocuparia com esta conversa de
localização. Praticamente é tudo tolice e um remanescente da velha mitologia do
cérebro, como a explicação do sono através da contração dos gânglios, o que não
é mais inteligente do que a localização da psique na glândula pituitária (3).
Espero ter respondido às suas perguntas.
I remain, dear Dr. Cappon, yours
sincerely,
C. G. Jung
(1)Dr. D. Cappon, anteriormente professor
de psiquiatria, agora professor de estudos ambientais, York University,
Toronto, Canadá. Em sua carta a Jung ele se denomina “as a lone exponente of
‘dynamic’ (analytical) psychology (...) who ran across many problems and much
resistance”. Trad. Livre: “como um expoente solitário da psicologia ‘dinâmica’
(analítica) (...) que enfrentou muitos problemas e muita resistência”.
(2)Entre outras perguntas, Dr. Cappon
apresentou a Jung os três pontos seguintes: 1) imagens arquetípicas poderiam
surgir já no início da análise, mas só seriam entendidas bem mais tarde; 2) até
então podem ter desaparecido todos os sintomas; 3) outros métodos como, por
exemplo, a psicanálise, conseguiram bons resultados, mesmo que nunca se falasse
de arquétipos e de sua interpretação.
(3)Para a concepção de Jung sobre a
relação entre psique e corpo, confira: Tipos Psicológicos. Vol. 6, § 979s.
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