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À Cécile Ines Loos

À Cécile Ines Loos (1)

Basileia, 07 de setembro de 1954.

 

Prezada senhora,

Foi uma gentileza inesperada de sua parte ter-se lembrado de meu aniversário. Não me admiro que a princípio o tenha esquecido; o que me admira muito mais é que se tenha lembrado dele.

No que se refere aos escritores da Suíça (2), não se pode esquecer nunca que a Suíça é um país muito pequeno e nunca confiou no próprio gosto, apesar de filistinismo cultural e do modismo artístico, e nunca se pode exigir idealismo dos livreiros. [...]

Conforme seu desejo, estou enviando meu livro Von den Wurzelm des Bewusstseins - (A natureza da psique).

O pedido do “pão de cada dia” é pertinente em todas as circunstâncias, ainda que no evangelho de Mateus 6:11, o pedido soe assim: “Panem nostrum supersubstialem da nobis hodie” (Dá-nos hoje o nosso pão supersubstancial). Foi assim que São Jerônimo traduziu a palavra grega que, aliás, só ocorre no evangelho de Mateus e que recebeu diversas interpretações, banais e outras. Certamente Jerônimo sabia o que estava fazendo, sobretudo quando se observa o que está em versículos a seguir, onde Cristo admoesta seus discípulos a não se preocupar com as necessidades diárias, o que é mais fácil num país quente do que no nosso clima, sobre o qual dizia Zola com muita razão: “Mas entre nós a miséria sente frio”.

Com os melhores votos de

C. G. Jung

 

(1)Cécile Ines Loos, 1883-1959, escritora suíça. Obras, entre outras: Die leisen Leideschaften, 1934; Jehanne, 1946; Leute am See, 1951.

(2)A senhora Loos havia se queixado de uma falta de valorização das obras de autores suíços.

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