A um destinatário não identificado
EUA, 02 de outubro de 1954.
Dear Mr. N.,
Não conhecendo eu o caso de Mrs. X, sou
incapaz de dar-lhe algum conselho sobre o tratamento dela. De qualquer forma,
na idade dela, uma psicose é sempre coisa séria, que ultrapassa todos os
esforços humanos. Tudo depende da possibilidade de se estabelecer um
relacionamento mental e moral com os pacientes. O tratamento por choque
normalmente embota a capacidade mental deles, de modo que resta pouca esperança
de se exercer a capacidade sobre eles. Também não vejo como quer levar seus
pacientes a uma concepção religiosa da vida, se o seu próprio conceito de Deus
é puramente intelectual. Eu não iria tão longe como o senhor, a ponto de dizer
que as pessoas com uma concepção religiosa da vida sejam imunes a psicoses. Isto
só vale em casos excepcionais.
O problema da religião não é tão simples
como o senhor imagina: não se trata absolutamente de convicção intelectual nem
de filosofia ou de fé, mas antes de experiência interior. Reconheço que é uma
concepção que parece ser ignorada completamente pelos teólogos, ainda que falem
muito dela. Paulo, por exemplo, não foi convertido ao cristianismo por algum
esforço intelectual ou filosófico, mas pela força de uma experiência direta e
interior. Sobre ela baseava-se sua fé, mas nossa teologia moderna torce as
coisas e supõe que primeiro devemos acreditar para, só então, ter uma
experiência interior; mas esta reviravolta leva as pessoas para um falso
racionalismo que torna impossível qualquer experiência interior. É
perfeitamente natural que identifiquem a divindade com energia cósmica, uma
grande impessoal e quase física, para a qual não se pode rezar. Mas a
experiência interior é bem diferente; ela mostra que existem forças pessoais
com as quais é perfeitamente possível ter um contato íntimo e pessoal. Ninguém
que não conheça realmente a experiência interior é capaz de convencer um outro
a respeito dela. Somente o falar – por melhor que seja a intenção – nunca vai
convencer. Tratei de muitas pessoas sem formação religiosa e sem atitude
religiosa, mas no decurso do tratamento, que normalmente é um empreendimento
longo e difícil, elas tiveram inevitavelmente experiências interiores que as
ajudaram a tomar uma atitude correta.
É claro que impossível fazer-lhe um breve
relato do caminho a seguir para chegar à experiência interior. Não se pode
dizer que seja assim ou assim; ela não é transmitida por palavras. Não sei se o
senhor conhece alguns de meus escritos; eles falam muito sobre os métodos, mas
sua leitura pode deixa-lo também muito confuso. Talvez queira conversar com uma
de minhas discípulas, por exemplo, Mrs. Frances G. Wickes. Ela poderia
esclarecer-lhe melhor isso tudo do que eu numa simples carta.
Sincerely yours, C. G. Jung.
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