A Henry D. Isaac
Kew Gardens (N. Y.) EUA, 25 de outubro de
1954.
Prezado senhor!
Sua pergunta (1) é deveras atual, pois é
muito provável que nenhuma medida ou proposta social tornem a pessoa humana
mais consciente, conscienciosa ou responsável, mas terão antes o efeito
contrário. Isto parece estar no fato de que toda aglomeração de pessoas revela
uma tendência clara de diminuir o nível de consciência do indivíduo. Todos os
conselhos que começam com “você deveria” mostram-se, por isso, em geral, como
totalmente ineficazes. Isto se deve ao fato obvio de que apenas o indivíduo é o
portador das virtudes, e não a massa. Mas este eminente e importante portador
da função social está hoje em dia seriamente ameaçado pela nossa cultura ou
incultura. Se pudéssemos melhorar o indivíduo, penso que teríamos uma base para
a melhoria do todo. Nem mesmo um milhão de zeros podem chegar ao número um. Sou,
por isso, da impopular opinião de que também um melhor entendimento no mundo só
pode provir do indivíduo e por ele ser promovido. Mas, considerando o grande
número envolvido, esta verdade parece uma nulidade quase desesperadora. Suponhamos,
porém, que alguém queira fazer o esforço de dar sua contribuição infinitesimal
para o ideal desejado, então deverá estar em condições de realmente compreender
uma outra pessoa. A precondição indispensável é que compreenda a si mesmo. Se não
o fizer, verá o outro inevitavelmente através da névoa deformadora e enganosa
de seus próprios preconceitos e projeções; vai também recomendar e imputar ao
outro aquilo de que ele próprio mais falta sente. Portanto, é preciso que nos
compreendemos, de certa forma, se quisermos entender-nos realmente com o outro.
Já existe atualmente uma porção de coisas
que um adulto deveria saber para estar equipado para sua vida. Na verdade, já
deveria ter assimilado estas coisas na escola, mas naquela época era ainda jovem
demais para entendê-las, e depois nada mais o motiva para voltar à escola. Quase
sempre não tem mais tempo para isso. Ninguém lhe fornece qualquer conhecimento
útil a esse respeito. Ele permanece num estado de ignorância infantil. Deveria haver
algo como escola para gente mais crescida, onde se dariam às pessoas ao menos
os elementos do autoconhecimento e do conhecimento do outro. Já dei esta sugestão
várias vezes, mas ficou como um desejo piedoso, ainda que todos concordem
teoricamente que sem autoconhecimento não pode haver entendimento em geral. Meios
e modos seriam encontrados se o assunto fosse algum problema técnico. Mas, como
se trata apenas do essencial, ou seja, da psique humana ou do relacionamento
humano, não há professor, nem aluno, nem material didático e nem curso
adequado; tudo fica no enfadonho “você deveria”. O começar cada um por si mesmo
é muito impopular, por isso tudo permanece como era. Só quando as pessoas ficam
tão nervosas que o médico diagnostica uma neurose, elas vão ao especialista,
cujo horizonte médico não inclui normalmente a responsabilidade social.
Infelizmente as assim chamadas religiões nunca
provaram ser veículos de entendimento humano em geral, pois, com raras exceções,
sofrem da pretensão absolutista e, neste sentido, pouco se diferenciam de
outros ismos e por isso interrompem num ponto decisivo o relacionamento humano.
Quando se está, como eu enquanto médico,
na posição de conhecer intimamente muitas pessoas, inclusive algumas de boa
cultura, fica-se profundamente admirado da espantosa inconsciência das pessoas
civilizadas de hoje. A ciência moderna pode fornecer a essas pessoas uma grande
quantidade de conhecimentos esclarecedores sobre coisas que elas deveriam ter
sabido já no início de sua vida social, mas que não tiveram oportunidade de adquirir
em parte alguma e de modo algum. Em vez do conhecimento, tiveram de contentar-se
com preconceitos ridículos. Toda a nossa sociedade está estilhaçada por
especialidades e pelo conhecimento especializado autossuficiente; as
disciplinas diferenciam-se tanto que nenhuma sabe o que faz a outra. Da Universidade,
então, nada se pode esperar, porque só forma alunos especializados. Até mesmo a
psicologia não se preocupa com a unidade da pessoa, mas dividiu-se em
inumeráveis subdivisões com seus testes e teorias especiais. Quem, no entanto,
procurar a necessária sabedoria, vai encontrar-se na situação do velho Diógenes
que, em plena luz do dia, saiu com uma lanterna na mão procurando uma pessoa no
mercado de Atenas.
Isto é quase tudo o que saberia dizer
sobre a situação atual do entendimento humano.
Com elevada consideração, C. G. Jung.
(1)A pergunta era: “What is the best way
for na individual to contribute to better understandig in the world?” (“Qual é
a melhor maneira de um indivíduo contribuir para uma melhor compreensão do
mundo?”) O destinatário fez a mesma pergunta a várias personalidades de renome
na ciência, arte e política.
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