To Prof. Arvind U. Vasavada (1)
Zurique, 22 de novembro de 1954.
Dear Friend,
Muito obrigado por sua gentil carta e pela
encantadora “saudação ao mestre perfeito”. Percebo que no guru o senhor saúda o
Deus infinitesimal, cuja luz se torna visível onde quer que a consciência da
pessoa tenha dado o menor passo para frente e para além de seu próprio
horizonte. A luz do crepúsculo, louvada pelos nossos pensadores medievais como aurora consurgens (2), a luz matutina
que surge, inspira veneração; ela enche nosso coração de alegria e admiração,
ou de irritação e medo, ou mesmo de ódio, conforme a natureza daquilo que nos
revela.
O ego recebe a luz do si-mesmo. Ainda que
saibamos alguma coisa do si-mesmo, nós não o conhecemos. Podemos ver uma grande
cidade, saber seu nome e posição geográfica, mas não se conhece nenhum de seus
habitantes. Podemos conhecer uma pessoa por contato diário, mas ignorar
totalmente seu verdadeiro caráter. O ego está contido no si-mesmo assim como
está contido no universo do qual conhecemos apenas a menor parte. Uma pessoa
com maior visão e inteligência do que eu pode conhecer-me, mas eu não posso
conhecê-la se minha consciência for inferior à dela. Ainda que recebamos do
si-mesmo a luz da consciência e saibamos que ele é a fonte de nossa iluminação,
não sabemos se ele possui algo que poderíamos chamar de consciência. Por mais
belas e profundas que sejam as palavras de sua sabedoria, elas são
essencialmente manifestações de admiração e tentativas entusiastas de formular
as impressões irresistíveis que uma consciência do eu recebeu do impacto de um
sujeito superior. Mesmo que o ego fosse (conforme penso) o ponto supremo do
si-mesmo, uma montanha infinitamente maior do que o Everest, seria apenas um
pequeno grão de pedra ou de gelo, nunca a montanha toda. Ainda que o grão se
reconhecesse como parte da montanha e entendesse a montanha como imensa
aglomeração de partículas como ele, não conheceria sua natureza íntima, porque
todos os outros são, como ele, indivíduos,
incomparáveis e incompreensíveis em última análise. (Só o indivíduo é
verdadeira realidade e tem capacidade de conhecer o ser).
Se o si-mesmo pudesse ser experimentado
como totalidade, seria assim mesmo apenas uma experiência limitada, conquanto
na realidade sua experiência é ilimitada e infinda. É tão-somente nossa
consciência do que que é capaz de experiência apenas limitada. Só podemos dizer que o si-mesmo é ilimitado, mas
não podemos experimentar sua
infinitude. Posso dizer que minha
consciência é a mesma do si-mesmo, mas isto são palavras, pois não há a menor
evidência de que eu participe mais ou em maior abrangência do si-mesmo do que
alcança a minha consciência do eu. O que sabe o grão a respeito da montanha
toda, ainda que seja uma parte dela? Se eu fosse uma unidade só com o si-mesmo,
eu teria conhecimento de tudo, eu falaria sânscrito, leria a escrita
cuneiforme, conheceria os acontecimentos da pré-história, teria familiaridade
com a vida de outros planetas, etc. infelizmente nada disso acontece.
Não se deve misturar a autoiluminação com
a autorrevelação do si-mesmo. Através do autoconhecimento não conhecemos
forçosamente o si-mesmo, mas apenas uma parte infinitesimal dele, ainda que o
si-mesmo lhe tenha dado a luz.
O seu ponto de vista parece coincidir com
aquele dos nossos místicos medievais, que tentaram dissolver-se em Deus. Vocês
todos parecem interessados em como voltar para o si-mesmo, em vez de olhar para
o que o si-mesmo quer que façam no mundo, onde – ao menos neste momento –
estamos colocados, provavelmente para determinado fim. Parece que o mundo não
existe com a finalidade única de a pessoa negá-lo ou dele fugir. Ninguém pode
estar mais convencido da importância do si-mesmo do que eu. Mas, como o jovem
não fica na casa do pai, mas vai para o mundo, assim eu não olho para trás para
o si-mesmo, mas o recolho a partir de múltiplas experiências e o reconstituo
novamente. O que deixei para trás, aparentemente perdido, eu o encontro em tudo
que me acontece no caminho e o recolho e o reconstituo como era. Para me livrar
dos opostos, é imprescindível aceitá-los de imediato, mas isto me afasta do
si-mesmo. Devo aprender também como os opostos podem ser unidos, e não como
podem ser evitados. Enquanto estou na primeira parte da estrada, tenho de
esquecer o si-mesmo para entrar propriamente na moenda dos opostos, caso
contrário viverei apenas fragmentário e condicionalmente. Ainda que o si-mesmo
seja minha origem, ele é também a meta de minha busca. Quando ele foi minha
origem, eu não conhecia a mim mesmo; e quando aprendi a conhecer a mim mesmo,
nada soube do si-mesmo. Tenho de descobri-lo em minhas ações, onde ele aparece
em primeiro lugar sob máscaras estranhas. Esta é uma das razões por que devo
estudar o simbolismo, caso contrário corro o risco de não reconhecer meu
próprio pai e mãe se os reencontrar após longos anos de ausência.
Espero ter respondido à suas perguntas.
Yours sincerely, C. G. Jung
(1)Prof. Arvind U. Vasavada,
psicoterapeuta na Índia. Estudou no Instituto C. G. Jung, de Zurique. Obra,
entre outras: Tripura-Rahasya
(Iñanakhanda), English translation and a comparative study of the process
of individuation. Chowklamba Sanskrit Studies, Vol. 50, Varanasi, 1965.
(2)Cf. Dr. M-L. von Franz, Aurora Consurgens, um documento sobre a
problemática alquimista dos opostos, atribuído a Santo Tomás de Aquino, Mysterium Coniunctionis, Vol. III,
Zurique, 1957.
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