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Ao Prof. Adolf Keller

Los Angeles (Calif./EUA), 25 de fevereiro de 1955.

 

Prezado amigo!

Foi muito amável de sua parte ter gasto tempo e esforço para reagir tão extensamente ao artigo no Time (1). Sua interpretação de minha cara esquisita é excelente (2). O fotógrafo, que me importunou com inúmeras tomadas, dever ter pego um momento em que eu estava mentalmente ausente, mergulhado em meus pensamentos. Realmente, meus pensamentos sobre “este mundo” não eram e não são nada agradáveis. O panorama da pressão do inconsciente sobre o assassinato em massa e em escala global não é nada promissor. As transições dos éons parecem sempre tempos melancólicos e desesperadores como, por exemplo, o colapso do Antigo Reino do Egito (Grespräch eines Lebensmüden mit seiner Seele”) (3), entre Touro e Áries. A melancolia da era augustiana ente Áries e Peixes. Agora chegamos a Aquário, do qual dizem os livros sibilinos (4): Luciferi vires accendit Aquarius acres! (Aquário inflama as forças selvagens de Lúcifer). E estamos apenas no início desse processo apocalíptico! Já sou duas vezes bisavô e vejo crescer aquela geração distante que há de viver inevitavelmente naquela escuridão muito tempo depois de nós. Eu poderia acusar-me de pessimismo senil, se não soubesse que a bomba H já está pronta – um fato do qual infelizmente não se pode mais duvidar. Basta um heróstrato no Kremlin apertar o botão. E se tivermos sorte neste caso, o que será do problema da superpopulação?

Saudações cordiais de seuJung.

 

(1)Cf. carta a Tenney, de 23 de fevereiro de 1955, nota 5.

(2)O professor Keller havia escrito: “Sua foto é a melhor que já vi. Você está humano, quase paternal e emocionado, contudo sempre com o resto de superioridade médica e cínica”.

(3)H. Jacobsohn, “Das Gespräch eines Lebensmüden mit seinem Ba”, em Zeitlose Dokumente der Seele, Zurique 1952 (Estudos do Instituto C. G. Jung, Zurique III).

(4)Jung refere-se aos chamados “oráculos sibilinos” (Oracula Sibtllina), datados do século II e que traziam uma coletânea de 14 livros com profecias em hexâmetros gregos. São elaborações cristãs de oráculos judaicos que, por sua vez, se baseiam em tradições pagãs. Jung possuía o livro Sibyllina Oracula. E veteribus codicibus emandata (...) studio Servatii Gallalei (...), Amsterdã 1689. Daí tirou a citação latina.

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