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Mensagens

A mostrar mensagens de maio, 2023

À Aniela Jaffé

  À Aniela Jaffé Zurique, 29 de maio de 1953.   Prezada Aniela! (...) O espetáculo da natureza eterna me dá uma sensação dolorosa de minha fraqueza e transitoriedade, e não encontro diversão alguma em imaginar uma aequanimitas in conspectu mortis. Como sonhei certa vez, minha vontade de viver é um daimon fogoso que torna às vezes infernalmente difícil a consciência de minha mortalidade. Pode-se no máximo salvar a cara, como o administrado infiel, e isto nem sempre, para que meu Senhor não encontre coisas demais a elogiar. Mas o daimon não se importa com isso, pois a vida é no fundo aço sobre pedra. Cordialmente seu C. G.

Ao Dr. James Kirsch

  Ao Dr. James Kirsch Los Angeles (Califórnia) EUA, 28 de maio de 1953.   Prezado colega! Finalmente consigo agradecer-lhe pessoalmente a amável carta que me enviou por ocasião da morte de Toni Wolff (1). No dia da morte dela, antes mesmo de haver recebido a notícia, tive uma séria recaída de taquicardia. Esta retrocedeu, mas deixou uma arritmia que prejudica muito minha capacidade física. Durante a época de Pentecostes arrisquei-me a vir para Bollingen, e espero recuperar-me ainda mais aqui, Toni Wolff morreu tão repentina e inesperadamente que é quase impossível acreditar em seu desaparecimento. Eu a vi ainda dois dias antes. Ninguém suspeitava de nada. Os sonhos com o Hades, que eu havia tido já em meados de fevereiro, eu os referi exclusivamente a mim, pois nada indicava Toni Wolff. Nenhum dos que se relacionavam direta e intimamente com ela haviam tido sonhos premonitórios; e na Inglaterra, Alemanha e Zurique, só pessoas que a conheciam superficialmente. No começo de m

Ao Dr. Zwi Werblowsky

The University Leeds/Inglaterra, 21 de maio de 1953.   Prezado doutro! Meus agradecimentos pelo gentil envio de suas duas conferências (1). Ei as li com grande interesse; a segunda, até duas vezes, pois anteontem chegou a Zurique o padre White. Sua crítica é muito interessante, mas um tanto difícil de se ler. Quando encontrei recentemente o padr White, ele ainda não a havia lido. Mas espero ter a oportunidade de discutir com ele alguns pontos. O senhor tem toda a razão com o “hornet’s nest” (2). As duas figuras pretas em Kafka (3) referem-se a uma duplicação da sombra, ou do si-mesmo (the two white balls) (4). Esta dualidade associa-se, por exemplo, aos mensageiros do submundo (Apocalipse de Pedro) (5) ou “aos animais úteis”. Normalmente a sombra só aparece na unicidade. Se, às vezes, aparece na dualidade, trata-se por assim dizer de uma duplicação ótica, ou seja, de uma metade consciente e outra inconsciente, de uma figura sobre o horizonte e outra abaixo dele. O que eu se

Professor Henry Corbi

Prof. Henry Corbin (1) Institut Franco-Iranien Teerã/Irã, 04 de maio de 1953.   Cher Monsieur, Recebi, há poucos dias, a separata de seu ensaio sobre a “Sophia Eternelle” (2). Infelizmente não consigo expressar todos os pensamentos e sentimentos que me ocorreram durante a leitura de sua admirável exposição. Meu francês está por demais enferrujado para que possa formular com precisao o que gostaria de lhe dizer. Seja como for, preciso dizer-lhe o quanto me alegrei com seu trabalho. Foi uma alegria incomum e uma experiência muito rara, única mesmo, ser entendido totalmente. Estou acostumado a viver num vácuo intelectual mais ou menos completo, e meu Resposta a Jó em nada colaborou para uma diminuição disto. Ao contrário, provocou uma avalanche de preconceitos, malentendidos e sobretudo de tremendas bobagens. Recebi centenas de críticas, mas nenhuma, nem de longe, chega perto de sua compreensão clara e profunda. A intuição do senhor é espantosa. Schleiermacher é de fato um de

À senhorita Pastora Dorothee Hoch

  Riehen-Basileia, 30 de abril de 1953.   Prezada senhorita! Foi muita gentileza sua escrever-me outra vez, ainda que eu não tenha respondido sua carta de 05 de dezembro de 1952. Visto que meu estado de saúde vem deixando a desejar há mais tempo e visto que a senhorita não está em condições de seguir a minha linha de pensamento, fugiu-me o ânimo de responder-lhe mais uma vez. Trata-se simplesmente e apenas de uma questão que já os antigos cristãos haviam entendido, que sempre foi entendida na Idade Média e que toda a Índia já entendeu desde tempos imemoriais (1). O quanto a senhorita me entende mal conclui-se de sua frase de que “a psicanálise (!) quer levar a pessoa a descobrir o seu si-mesmo como a meta última”. Talvez a “psicanálise” pretenda algo parecido, mas eu não penso em semelhante futilidade, pois o si-mesmo é por definição uma grandeza transcendental com a qual se defronta o eu. É um completo mal-entendido (e o contrário daquilo que eu sempre acentuei) que o si-mesmo